Da didacografia de Comênio à IA: artigo publicado (por ora, em inglês)

Acabo de ver que saiu, no Journal of Interactive Media in Education, JIME, meu artigo From Didachography to AI: metaphors teaching is automated by, escrito em discussão com os queridos parceiros Márcio Lemgruber e Thiago Cabrera.

Esse é para comemorar, pois concretiza alguns anos de estudo e discussão com Márcio e, mais recentemente, Thiago.

Em breve, teremos a publicação de uma tradução para o português – o JIME é uma revista internacional produzida por uma editora comercial, mas com uma política de acesso aberto, então é divulgada sob uma licença Creative Commons, ou seja, podemos republicar, traduzir, enfim, divulgar o trabalho sem termos que pagar royalties (por nosso próprio trabalho…).

O artigo trata da enraizamentos históricos de ideias atuais da EdTech – deixo, abaixo, o abstract, e convido os interessados para lerem o trabalho!

Although automation is not a novelty, high hopes are currently pinned on more and more ingenious devices built with Artificial Intelligence (AI). AI has become a key discussion point in the agendas of governments and multinational agencies, with particular interest in educational applications. This article explores parallels between ideas surrounding AI in education and conceptions proposed in the 17th century by Jan Amos Comenius, known as the father of modern education. Drawing upon illustrations from ongoing research that takes metaphor as its core analytical category, the piece assumes that metaphors are not mere stylistic elements, but strategic persuasive devices. Comenius’ didachography, a portmanteau coined in his 1657 Didactica Magna to describe an inclusive educational system, relies heavily on metaphors that suggest remarkable similarities with contemporary EdTech rhetoric, especially on AI-related developments. Whilst exemplifying that ideas and premises entailed in current discourses on EdTech may hark back to centuries-old ideas, the paper argues that, despite taking on varying, contextually situated linguistic expressions, underlying metaphors appear to have endured from Comenius’ time to support the advent of an educational system poised to automate teaching and, thus, dispense with a key part of his scheme: the teacher. In closing, the piece suggests that we may need to acknowledge the contingent nature of teaching and learning, perhaps accepting that key aspects of what makes us human may always resist engineering.

Baixe o artigo em pdf aqui.

Pra não dizer que não falei …

… (ainda) do chatGPT….

O assunto #dahora não passou despercebido por aqui – seria impossível, até porque parece já estar instalado um certo pânico moral generalizado, principalmente na educação. Mas parece que estamos naquele momento no qual everybody is talking about it, então vamos lá com meus dois centavos (de observações gerais e uma analogia colorida…).

Não lembro de onde tirei o meme no início da postagem, e também não sei se é “ruim” que a fila à direita seja mais longa do que a fila à esquerda, que me parece representar uma aceitação sem questionamentos da inevitabilidade dessa e de outras “coisas” associadas à IA. Já andei, mesmo sem intenções explícitas, na fila à direita :-), junto com gente querida que compartilhou comigo trocas bastante interessantes. A fluidez dos textos é realmente impressionante, mas parece que erros factuais não são raros (por ora, pelo menos).

Separei alguns escritos que sintetizam pontos que acho interessantes:

  • Já estarem cobrando (no Brasil) por um serviço que, até agora, parece ser mais uma “solução em busca de um problema” (parafraseando Neil Selwyn neste texto, neste livro);
  • Interessante como foram “cavar” um precursor local, considerando como é pequena, no geral, a preocupação atual com enraizamentos históricos da tecnologia (comentei sobre esse problema nos estudos sobre a tecnologia educacional, especificamente, aqui);
  • O medo do fim de certas profissões;
  • Várias matérias no site Porvir, quase todas cobrando “inovação” de escolas (ou “da educação”);
  • Uma rápida mudança de perspectiva, de “tecnologia útil” a “barganha fáustica“, em matérias de John Naughton no jornal The Guardian. Aqui, acrescento que aprecio demais mudanças assim – acho que são importantes para “balançar” as pessoas que pensam que autores, acadêmicos, autores, enfim, gentes criativas seriam seres acabados que estariam sempre a “defender” o mesmo ponto de vista, quando o que torna a vida intelectual e artística interessante e rica é exatamente a possibilidade de mudança.
  • Preocupação com uma possível “escassez de dados” para treinar IA: matéria no MIT Tech Review (uma das fontes que listei aqui sobre “coisas edtech”, mas em português), que me chegou ainda há pouco via Camila Leporace. Achei de uma ironia absurda…

Esses são alguns dos textos que andei lendo – há muitos sobre preocupações com plágio e, sobretudo, a falta de fontes nas respostas. Eu mesma já perguntei ao bot sobre as fontes que usa, e a resposta foi a mesma que outras pessoas me disseram ter recebido: em essência, algo como “não fui desenhado para citar minhas fontes”. Essa é a base da preocupação de muita gente na educação, pois o texto retornado pelo chat pode passar por “original”, pelo menos na perspectiva dos detetores de plágio. Para mim, a preocupação com plágio é algo a ser repensado, pois não vejo como um “problema” que passa apenas pelo texto (escrevi um pouco sobre isso aqui), mas isso é o que temos para hoje, como dizem.

Uns dias atrás, estava curtindo com minha filha uma certa nostalgia da infância dela enquanto assistíamos um dos filmes da saga de Harry Potter, e IA me veio à mente. Especificamente, estávamos vendo o segundo filme, Harry Potter and the Chamber of Secrets. [spoilers adiante, então pare aqui se não leu/viu e pretende ainda fazê-lo] Nesse episódio, surge o malévolo Lord Voldemort na figura de seu self adolescente, Tom Riddle, preservado em um diário. O diário parece vazio, mas Harry descobre que, ao escrever nele, recebe respostas – veja no clip abaixo.

O diário é manipulador, também, induzindo seu interlocutor a ações, mesmo contra sua vontade (não Harry, que tem a “mente” mais forte da ficção infanto-juvenil…). Fiquei pensando se seriam, de certa forma, pedaços da “alma” humana (coletiva, no caso) o que sustenta coisas como chatGPT – seriam “diários”, como o de Riddle, parciais, enviesados e temporais? (ainda que estejam “aprendendo” com as próprias perguntas que lhe são feitas – em ato falho interessante, escrevi, originalmente, “apreendendo”) O desejo de Riddle pela imortalidade e sua ambição de querer controlar tudo e todos tornam o diário triplamente amaldiçoado, pois, para ter um “pedaço” armazenado, a alma precisa ser fragmentada por meio do ato mais vil possível: o assassinato de outro ser humano. Essa história, pelo menos, tem um final (relativamente) feliz: os fãs da saga lembrarão de que Harry triunfa sobre o diário e sobre Voldemort, que, ao fim e ao cabo, não era mais humano, mas sim puro “mal” destilado.

Enfim, avisei que seriam apenas algumas observações gerais e uma analogia colorida…

Falando em história da tecnologia educacional… Comenius!

Lembrando de uma postagem de algumas semanas atrás, sobre a relevância da História nos estudos da Educação e Tecnologia: acaba de sair uma coautoria minha com os queridos Thiago Cabrera e Márcio Lemgruber: “Comenius, tecnologia e educação: uma perspectiva mumfordiana“, na revista Intersaberes, número especial “Educação e filosofia da tecnologia: perspectiva histórica e debates contemporâneos“.

Eis a proposta:

Comenius é apontado, nos livros de História da Educação, como o fundador da pedagogia moderna. Em sua Didactica Magna, publicada em latim em 1657, o autor propôs uma forma de organização detalhada como arcabouço para um sistema educacional inclusivo, um modelo baseado em metáforas e analogias relacionadas à produção manufatureira em expansão em sua época. Este artigo discute a proposta de
Comenius como uma solução técnica para a democratização da educação que se mostra uma importante precursora de formas de pensar a relação entre a educação e a tecnologia na contemporaneidade. O texto examina aspectos da contribuição de Comenius a partir de uma perspectiva inspirada na obra de Lewis Mumford, historiador e filósofo da tecnologia. Em particular, toma o conceito mumfordiano de “megamáquina” para discutir a “didacografia” comeniana, que é apresentada na Didactica em uma analogia detalhada entre a tipografia e a sala de aula. Nessa ótica, o sistema educacional de Comenius seria uma megamáquina composta essencialmente de seres humanos mecanizados, embora não prescinda de artefatos como modelos ou mesmo antecipe a perspectiva de mecanizações mais radicais.

Comenius é um personagem fascinante, um bom “lugar” para começar a desvelar enraizamentos históricos de ideias que sustentam a tecnologia educacional contemporânea, tomando metáforas como eixo teórico fundamental.

Baixe aqui o artigo completo.