Mais um post sobre experiências na educação durante a pandemia…

Fonte: Pixabay

Publiquei anteriormente alguns posts sobre questões gerais pertinentes à educação durante a pandemia (reunidos aqui), e cheguei a mencionar que escreveria, futuramente, detalhes sobre como estava trabalhando na graduação. Pois tentarei fazer isso agora, partindo de rascunhos e anotações que fui fazendo ao longo de 2020.

Tanto no primeiro, quanto no segundo semestre de 2020, fui alocada a uma disciplina sobre tecnologias e educação. É uma matéria obrigatória do curso de Pedagogia e eletiva das outras Licenciaturas e do domínio adicional Tecnologias e Mídias Digitais da universidade, e, por isso, relativamente popular. Os grupos, porém, eram bastante diferentes: o de 2020.1 era composto, predominantemente, por alunos de 1o e 2o período da Pedagogia. Em 2020.2, a maioria era de alunos das outras Licenciaturas (Biologia, Letras, etc.), muitos já nos dois últimos períodos de seus respectivos cursos, ou seja, era uma turma de estudantes mais maduros, digamos. De qualquer forma, as turmas que tenho tido na disciplina tendem a ser fortemente heterogêneas de diversas formas, e preciso sempre considerar, também, como parte dos propósitos de qualquer ação, a necessidade de acomodar uma ampla gama de habilidades, possibilidades e limites.

No início de março, tive, com a turma daquele semestre, alguns encontros presenciais ao longo das duas semanas que se passaram até ser decretado o fechamento do campus da instituição, e já estava com quase todos os nomes e rostos em mente. Com a turma do semestre seguinte, acabei por conhecê-los apenas como nomes escritos sobre um retângulo preto, ou fotos de rostos sorridentes, pois muitos preferiam não abrir suas câmeras, ainda que participassem, ocasionalmente, por áudio. Ou seja, foram experiências totalmente diferentes, não apenas porque foram grupos de pessoas diferentes, com expectativas também bastante diferentes, mas, crucialmente, porque não foi possível o usual encontro de “acolhimento” presencial que as “boas práticas” de EaD tendem a defender.

A lógica que adotei para pensar inicialmente a adaptação da disciplina para a situação não-presencial baseou-se em dois eixos fundantes: (1) inclusão; (2) articulação “teoria-prática”. Por um lado, tomando como base uma espécie de máxima que orienta a determinação de requisitos técnicos para cursos em EaD (“a corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco”), pensei em adotar várias mídias alternativas para apoiar contatos pessoais, com preferência por mídias assíncronas, que são menos custosas em termos de consumo de dados (alguns pacotes de dados para celulares oferecem acesso ilimitado a alguns serviços). Por outro lado, objetivando promover uma forma de articulação “teoria-prática” baseada na apropriação de ideias acadêmicas em exercícios de leitura de mundo, propus uma série de atividades que combinaram trabalho conceitual (leituras e discussões de textos acadêmicos) com buscas e discussão de matérias on-line sobre assuntos do momento vivido (em duplas ou pares), complementadas com reflexões individuais.

Comecemos, porém, pelas questões mais instrumentais.

Para a turma do primeiro semestre, na correria que se sucedeu à implantação da quarentena no estado do Rio de Janeiro, acabei utilizando dois grupos no Facebook e um grupo no WhatsApp, além do espaço no Google Drive que já havia organizado na preparação para o semestre. A universidade dispõe de um sistema de administração acadêmica que permite envio de e-mails em bloco para turmas inteiras, que é bem útil para os professores (não temos que criar listas separadamente), mas nem sempre produtivo (pois sistemas de e-mail diferentes às vezes direcionam as mensagens recebidas por esse sistema para a caixa de spam). Utilizo esse sistema com parcimônia, mas, no início do semestre, não houve outro jeito.

Acho que levei duas semanas até conseguir que todos compreendessem como seria a nova dinâmica e acessassem todos os espaços, seguindo as seguintes etapas:

  1. Primeiro contato com os alunos por e-mail em bloco (primeira semana da quarentena) para verificar a situação de cada um no tocante a equipamento, acesso à internet e espaço para trabalho;
  2. Com base nas informações obtidas nesse levantamento, montei um grupo de WhatsApp reunindo toda a turma (tratava-se da única mídia da qual todos já eram usuários), para possibilitar um acolhimento inicial e a (re)organização das atividades; a primeira atividade foi realizada com apoio desse aplicativo;
  3. Na sequência, criei os dois grupos (secretos) no Facebook (a única aluna que não era usuária dessa plataforma gentilmente se prontificou a criar um perfil para acompanhar a turma): um grupo para trocas informais (“Café com Bolo”, aberto para postagens por todos), outro para o trabalho na disciplina (no qual apenas eu poderia postar, mas todos poderiam comentar), e todos os trabalhos e discussões foram conduzidos nessa plataforma (com apoio de e-mail, WhatsApp e ligações telefônicas, em alguns casos);
  4. Videoconferências por Zoom foram realizadas em momentos específicos do semestre (sessões de uma hora, com a turma dividida em grupos, pois eram muitos), com fins, basicamente, de cultivar relações e dar uma espécie de apoio “pastoral”. A utilização de e-mail foi minimizada (a pedido dos próprios alunos), e o WhatsApp permaneceu em uso (uso esporádico do grupo criado inicialmente, mas uso continuado para comunicação um-a-um). Foi mantida a pasta no Google Drive que havia montado antes do início do ano letivo, contendo o programa da disciplina e um repositório de todas as leituras (básicas e complementares) em arquivos PDF.

Para o segundo semestre, recebemos uma orientação institucional no sentido que procurássemos concentrar nossos usos de espaços on-line no AVA interno (Moodle), gerido e mantido pela unidade que coordena a oferta de EaD da universidade. A plataforma realmente oferece uma grande vantagem com relação à gestão da avaliação (em 2020.1, recebi trabalhos via múltiplos canais, e a trabalheira para organizá-los foi insana, pois havia entregas quinzenais individuais de uma turma de 36…). Além disso, o agendamento e acesso ao Zoom foram integrados no ambiente, o que é bem útil também. Então, para a turma do segundo semestre, o espaço ficou assim:

Preferi a configuração de blocos, que deixa a tela mais limpa e funciona bem no celular também, e usei ícones e indicações claras de temas e datas para criar um mapa/guia do curso. Ao clicar em um bloco, abre-se uma janela com detalhes; por exemplo:

Nada disso é novo (são pequenos detalhes de “design instrucional“), e o uso dos arquivos pdf é algo que muitos da área do e-learning dirão ser uma “má prática”. Aqui entram as especificidades do contexto e a necessidade de flexibilidade, tanto no acesso a orientações e textos, para que pudessem ser lidos sem que o aluno estivesse necessariamente on-line, quanto no tocante a prazos. O acesso à internet no Brasil é mesmo bem frágil, e tive que reagendar alguns encontros (com a turma de pós e com o grupo de orientandos) por total falta de acesso (até o 4G pelo celular estava restrito nessas ocasiões). Outra coisa é que os layouts “quebradinhos” de treinamentos on-line não são, na minha opinião, apropriados para toda e qualquer experiência educacional on-line. De qualquer forma, elementos on-line e o off-line, síncronos e assíncronos sempre precisam ser pensados de forma integrada, e precisamos estar sempre prontos para improvisar alternativas.

OK, esses são os ossos do ofício do trabalho on-line com infraestrutura flaky – mas e as questões pedagógicas?

Bem, aqui me considero bastante privilegiada com a disciplina: se mídias e tecnologias, antes do início da pandemia, estavam em pautas de discussão específicas e eram ainda tratadas por muita gente como um “adendo” à formação de professores, as coisas mudaram radicalmente com o fechamento das instituições de ensino (em todos os níveis). Nesse contexto, os assuntos dos quais usualmente trato na disciplina tornaram-se fundamentais de uma forma não imaginada antes.

Pensei, então, que o ideal seria adaptar, de forma bastante explícita, o material da disciplina ao momento que estávamos vivendo, aproveitando as vivências de aprendizagem remota dos próprios alunos, bem como elementos do contexto mais amplo no qual estávamos inseridos, como fonte de material a ser integrado no trabalho da disciplina.

A partir de uma estrutura de atividades com produtos a serem entregues semanal ou quinzenalmente para fins de avaliação continuada, consegui manter o direcionamento que havia determinado ao montar o programa original da disciplina, que combinava elementos de “aprendizagem entre pares”, “sala de aula invertida” e “aprendizagem por projeto”. Dessa forma, conduzi os alunos em reflexões sobre a experiência de aprender a distância como base para encorajá-los a repensarem suas concepções sobre aprender, ensinar, a aula, a sala de aula e os objetos que fazem parte do cenário da educação (digitais ou não). E como faço sempre, encorajei-os a manterem um Diário com anotações, questões, recortes de leituras (e de materiais midiáticos sobre os assuntos tratados), para a composição de um portfólio a partir do qual seria feita a avaliação.

Para ilustrar, compartilho aqui uma das atividades conduzidas, relacionada ao tema “letramento midiático”. O objetivo da atividade era proporcionar aos alunos uma oportunidade de explorarem os problemas envolvidos na divulgação de “notícias enganadoras” (que incluem as famigeradas fake news), bem como, em particular, refletirem sobre o processo de verificação de informações. As orientações por escrito foram, subsequentemente, exploradas em discussão de forma a explicitar o pensamento pedagógico a sustentar a atividade. Dessa forma, os alunos também foram convidados a refletir sobre questões pedagógicas, ou seja, convidados a pensarem como professores (em formação, que é como sempre os trato). Assim, a discussão pode avançar não apenas em relação ao “conteúdo” (o tema), mas também à “forma” (o modo como a atividade foi pensada), o que me parece essencial em um contexto de trabalho com futuros docentes (e aqui incluo o pessoal da Comunicação que expressa o desejo de atuar na comunicação pública da ciência).

Nesse sentido, a avaliação na disciplina sempre contém, minimamente, um componente reflexivo, e, no segundo semestre, cheguei a um formato que achei bastante produtivo (e que manterei para o semestre atual, com alguns ajustes para melhorar a apresentação). As orientações estão aqui. A proposta envolve um elemento de role play que demanda a mobilização de conhecimentos em um contexto profissional imaginário, destacando a noção de que é o pensamento pedagógico que precisa orientar a ação docente, não a disponibilidade de mídias. Acho isso bem mais interessante do que uma prova ou mera atividade de produção (instrumental) de mídias (como vinha fazendo no laboratório que temos disponível para essa disciplina no presencial).

Uma coisa que não consegui, no final do semestre, foi fazer com a turma a avaliação da disciplina. Faço isso todo semestre usando como base este formulário, mas, confesso: cheguei ao final dos semestres de 2020 quase que inteiramente “sem gás”. Esse tipo de avaliação é uma forma importante de ação docente, pois, além de me dar subsídios para refletir sobre o que faço, também constitui uma oportunidade para os professores em formação sob minha responsabilidade pensarem sobre avaliação, que é um assunto em geral negligenciado. Surpreendem-se, quase sempre, com a proposta e com meus comentários sobre avaliação ser algo integral à aprendizagem, “instantâneos” que dizem alguma coisa sobre um processo, que é algo que se desenrola no tempo, mas não dizem tudo.

Há muito que eu poderia falar sobre essas experiências remotas, mas vou destacar alguns pontos que considero essenciais:

  1. Como muita gente vem dizendo, não faz sentido simplesmente substituir horas-aula por horas no Zoom. Isso simplesmente deixa todo mundo exaurido. É preciso pensar em formas de manter o contato pessoal, claro, mas o contexto que estamos vivendo não é o que tínhamos antes, ou seja, as pessoas não estão em casa por vontade própria. E, em casa, as demandas também mudaram (aumentaram, para muita gente), inclusive, com o relaxamento do isolamento social, deu-se o retorno gradativo de muitos a seus respectivos locais de trabalho. Enfim, as circunstâncias dos alunos (e nossas!) são múltiplas. Aliás, câmeras fechadas refletem tanto as formas de se lidar com essa multiplicidade, quanto a questão perene da “presença sem presença”, mencionada no próximo item (no final de encontros no Zoom, sempre há remanescentes que parecem ter estado presentes dessa forma…).
  2. Também como reza a cartilha da EaD, a aprendizagem não-presencial demanda muito mais autonomia e organização do aprendiz. Não acho, entretanto, que essa questão seja relevante apenas à aprendizagem remota: a distância apenas torna crítico um problema já existente. No campus, a agenda semanal dos alunos tende a girar em torno da presença em sala de aula. As próprias expectativas dos alunos parecem girar em torno da ideia de que só se aprende em sala de aula – mesmo admitindo que, com frequência, o estar em sala é apenas “de corpo presente”, em uma “presença sem presença”, ou seja, o aluno está suficientemente ali para evitar uma falta na pauta, mas, durante aquele tempo, passa a habitar algum “lugar feliz” em sua mente, alheio ao que se passa ao seu redor. Fora do campus, sem sessões de Zoom a substituir a hora-aula, fica mais óbvia a necessidade de organização. Em particular, no contexto de formação de professores, acho essencial mostrar não apenas que a sala não é o único local de aprendizagem, mas, crucialmente, que eles precisam se apropriar do processo de forma mais ampla. Precisamos lhes dar oportunidades para ensaiarem essa apropriação.
  3. Por que não usei o Moodle no primeiro semestre? Sinceramente, porque não quis. Fui usuária do Moodle no passado, até cheguei a fazer uma instalação em um computador na época, e não gostava do excesso de parâmetros e controles. As coisas mudaram um pouco e realmente faz sentido, para alunos com todas as disciplinas em modo remoto, que haja um espaço único onde possam acessar tudo que precisam. Há, também, a questão da avaliação, que já mencionei acima. Mas ainda não entendo como podem defender o Moodle como “construtivista”, e tenho mil e uma objeções também relativas a questões de direitos autorais e direitos de imagem (tanto que, em geral, não gravo encontros no Zoom). Enfim, é uma solução de compromisso, no meu entender, um assunto para outra postagem.
  4. Em momento algum quis dizer que o que estou fazendo é modelo para outras pessoas! Pelo contrário: no final do primeiro semestre, especificamente, recebi algum feedback bem negativo de um aluno (poucos participam da avaliação institucional dos professores). Creio que alguns (ou muitos, não saberia estimar) esperavam aquilo que acham que é a EaD: aulas gravadas. Eu, particularmente, acho aulas gravadas quase sempre bastante tediosas (recentemente comecei a acelerar a velocidade de playback de certos vídeos – é uma experiência horrenda, e creio que pagaremos um preço por isso, com tantos jovens adotando essa estratégia…). Na Open University, aliás, aulas gravadas foram abandonadas muito cedo na história da instituição, que foi favorecendo gêneros midiáticos mais criativos e interessantes, como docudramas, dramas históricos, animações etc. Enfim, isso seria mais um assunto para outras postagens.

Por fim, a questão mais importante: para que mais um postagem sobre experiências na educação durante a pandemia? Parece haver muitos gurus e “especialistas” de prontidão (principalmente para vender benditos “treinamentos”), e as postagens se multiplicam com dicas, estratégias, defesas de rótulos específicos, enfim, já nos aproximamos de uma forma de infoxicação dessas coisas. Nomes novos para coisas velhas, nomes velhos para coisas novas, enfim, a busca por estabelecer territórios não cessa nunca… Nesse contexto, acho válido lembrarmos de que, talvez, o que precisemos, é de experimentação, criatividade e, crucialmente, mais reflexão. Sim, é preciso saber “onde clicar”, mas isso se pode descobrir simplesmente clicando, lembrando que, neste mundo digital, é possível desfazer quase tudo. O que não dá para desfazer com facilidade são as expectativas e pré-concepções, nossas e de nossos alunos. Para tanto, é preciso reflexão, e, nisso, espero ter adicionado meus dois centavos do dia.

Recursos para discussões críticas na área da Educação e Tecnologia

Tirei meia dúzia de volumes das minhas estantes para doar, e encontrei outra meia dúzia (eufemismo…) que nem lembrava que tinha (caso de uma anti-biblioteca em expansão). Rearrumei tudo, e agora ficou fácil de achar o que não lembrava que tinha, mas ainda confuso encontrar o que de fato estou procurando. Alegrias acadêmicas…

Em meio às preparações para o semestre, andei revirando anotações, arquivos e impressos variados. Na verdade, aproveitei parte das férias para organizar meus livros, artigos impressos e, principalmente, arquivos (tentando evitar ter que pagar à Google por mais espaço de armazenamento…) – não consegui terminar esse trabalho com os arquivos, mas sigo com esperança que, um dia, conseguirei ter tudo catalogado e fácil de encontrar (talvez no lindo mundo dos slow professors defendido aqui)…

Acabei minerando materiais do blog Diálogos sobre TIC e Educação, que mantive com colegas durante meus anos como líder do grupo TICPE no PPGE/UNESA. Em breve, esse blog deverá ser transformado, talvez em legado, daí achei interessante tirar de lá uma lista de recursos produzidos ao longo dos anos mas que ainda são bastante atuais.

Dentre as traduções (varias incluídas no volume bilíngue Educação e Tecnologia: abordagens críticas), destaco as seguintes:

Na categoria “Perspectivas críticas”, há várias postagens pertinentes, incluindo vídeos feitos pelos autores que colaboraram na divulgação inicial do volume Educação e Tecnologia: perspectivas críticas (esses, especificamente, estão no Canal TICPE no YouTube).

Na categoria “Disciplinas“, há diversas listas de leituras; a maioria já está desatualizada, infelizmente, mas as seleções podem ser úteis para quem está começando a levantar literatura para compor seu projeto ou montar sua(s) disciplina(s). Há, também, slides de algumas apresentações (minhas e de colegas), que contém listas de referências interessantes (aqui e aqui, por exemplo). Depositei alguns em meu perfil no site Slideshare.

Enfim, listei alguns dos recursos que acessei enquanto pensava as disciplinas do semestre – talvez seja útil a alguém.

Começando o semestre acadêmico com uma discussão de base: o que é tecnologia?

Ausências e presenças…
No processo de organizar meu escritório em casa, comprei alguns revisteiros – o catálogo online mostrava várias cores, mas, na loja onde fui (sempre pela pressa), só rosa e azul. Apesar da dicotomia, o espaço ficou visualmente divertido, e o resultado esperado foi alcançado – artigos e impressos em ordem (quase – falta ainda colocar as essenciais etiquetas…).

Volto a escrever aqui após um tempo de silêncio, leituras e reflexão (professores pesquisadores nunca abandonam suas atividades inteiramente…), mas já a todo vapor nas preparações para o semestre.

Em meio a essas preparações, estou montando, com a Profa. Magda Pischetola, uma disciplina para o mestrado e doutorado intitulada Cultura Digital, Mídia e Educação. Com a Magda ocupadíssima com seus preparativos de retorno ao país, após um semestre de pós-doutorado na Universidade de Copenhague, temos trocado ideias por mensagens de texto e e-mail para fechar os detalhes da proposta inicial do programa da disciplina, que estruturamos em duas unidades: a primeira, sobre fundamentos, e a segunda, sobre debates correntes devidamente contextualizados em termos teóricos. Na discussão sobre fundamentos, especificamente, temos uma seleção de palavras-chave da área da Educação e Tecnologia, que incluem, obviamente, “tecnologia”. 

A ementa original da disciplina é bem clara no tocante à questão da contextualização, ou seja, do posicionamento histórico das ideias e conceitos centrais. Contextualização (incluindo histórica) tem sido um bordão meu há um tempo, pois muito do que se fala sobre tecnologia educacional tende a ignorar completamente as origens dos artefatos, nunca desvinculados de seus respectivos contextos de invenção, apesar de todas as “subversões” de uso possíveis.

Então, para apoiar a discussão sobre a questão do título desta postagem – o que é tecnologia? – estou pensando em utilizar excertos do livro Filosofia da Tecnologia, de Val Dusek (está parecendo difícil de encontrar no momento, mas temos na biblioteca da instituição). Para mim, temos aqui um volume introdutório de escopo enciclopédico sem o espaço necessário para sê-lo. Com isso, muitos assuntos bastante complexos são tratados de passagem no texto principal e em caixas separadas. Contrastando as escolhas de fontes com outros volumes da mesma natureza (um trabalho meu de longo prazo tem sido mapear trabalhos teóricos sobre tecnologia), há tanto presenças comuns quanto ausências – mas, aqui, obviamente, a palavra-chave é “escolhas” (e, para mim, pessoalmente, “ampliação de repertório”!).

Gosto bastante da estruturação do livro – em particular, o destaque dado ao determinismo tecnológico e a noções associadas torna o material relevante a um estudo introdutório que tem o propósito de fornecer aos alunos algumas ideias fundamentais que podem utilizar para questionar a presença / relação da tecnologia na / com a educação.  Veja abaixo um sumário gráfico do livro (clique na imagem para visualizar uma versão legível em pdf).

Pensando sobre o que levar aos alunos, resgatei alguns mapas conceituais que havia feito quando li o livro pela primeira vez. Já escrevi em outra postagem que utilizo o processo de compor esse tipo de mapa para me ajudar a visualizar o escopo e estrutura de um texto. Continuo achando que o processo é mais relevante do que os objetos que dele resultam, mas, com frequência, utilizo também os objetos como apoio para coordenar discussões em sala. 

Por hora, estou pensando em usar, ao menos, trechos dos capítulos 2, 6 e 7 – clique nas imagens abaixo para ver versões ampliadas dos mapas (podem ser baixados em pdf). Com fundo colorido, adicionei alguns questionamentos meus – com fundo turquesa, em particular, questões gerais norteadoras, que tem o propósito de abrir espaço para articulações com discussões da área da Educação. 

Mapa do Capítulo 2 – “O que é tecnologia? Definindo ou caracterizando a tecnologia” (clique na imagem para visualizar uma versão legível em pdf):

Mapa do Capítulo 6 – “O determinismo tecnológico” (clique na imagem para visualizar uma versão legível em pdf):

Mapa do Capítulo 7 – “A tecnologia autônoma” (clique na imagem para visualizar uma versão legível em pdf):

Trata-se, aqui, no meu entender, de discussões fundamentais que precisamos conduzir para que possamos contextualizar (e abordar criticamente) temáticas atuais da Educação e Tecnologia. Em particular, o uso de categorias pré-definidas (sem recurso a qualquer tipo de empiria) é algo que sempre me incomoda muito – ideias como “cibercultura”, “ciberespaço” (lindamente discutida por Edgar Gómez Cruz em seu excelente livro Las metáforas de internetcujo primeiro capítulo traça uma espécie de genealogia do termo tendo como viés a ideia de que se trata de uma “alucinação consensual acadêmica”) e, até mesmo, a “cultura digital” que temos no título da disciplina.

Estou aguardando a chegada de outro volume que parece ter, a princípio, a mesma proposta do livro de Dusek: Introduction to the Philosophy of Technology, de Mark Coeckelbergh. Não parece haver tradução para o português (bem, o livro foi publicado no final de 2019, ainda é cedo), o que dificulta a utilização com alunos, mas, para mim, será interessante ver as escolhas – presenças e ausências – feitas pelo autor. 

Verei ainda com a Magda sobre compartilharmos aqui o programa e mais recursos que ela está preparando – por hora, publicarei, em breve, mais uma postagem com recursos que podem ser baixados livremente (lembrando que este blog compartilha materiais sob um licença Creative Commons que determinar como única restrição que qualquer reutilização de materias tirados daqui indique a fonte original!).

Maus argumentos

Estava preparando material para aulas, que começam na semana que vem, e, buscando algo interessante para dar o tom no primeiro dia, resgatei este livrinho, que comprei na finada (RIP) livraria Cultura do Centro do Rio.

Para uma disciplina de introdução à pesquisa educacional, escolhi usar o material relativo à falácia da “generalização precipitada”. A explicação remete a Alice no País das Maravilhas:

Alice tinha ido à praia apenas uma vez na vida. E tinha chegado à conclusão de que, em qualquer lugar do litoral inglês, você encontraria cabines de banho, crianças cavando a areia com uma pá, uma fileira de casas de veraneio e, atrás disso tudo, uma estação de trem.

Esta aí uma falácia das mais comuns nos discursos sobre Educação e Tecnologia.

Educação e Tecnologia: utopias, distopias e metáforas

No semestre que vem, darei uma disciplina de mestrado/doutorado intitulada Educação e Tecnologia: utopias, distopias e metáforas. Compartilho, abaixo, a proposta preliminar – estou ainda matutando sobre os detalhes do planejamento aula-a-aula para montar o programa que preciso colocar no sistema da instituição.

As possibilidades são muitas (a ficção científica me acompanha desde a adolescência) – há algum tempo, venho selecionando livros, filmes e séries que leio/assisto e me remetem a questões relevantes à Educação e Tecnologia. Já tive algumas experiências de ensino colaborativo nessa direção – um dos resultados foi um artigo de 2015 – e continuo a usar material dessa natureza com meus alunos, inclusive da graduação. Mais recentemente, reli Os Despossuídos e A mão esquerda da escuridão, ambos da escritora Ursula le Guin e ambos lidos há mais décadas do que quero contar, e comecei a pensar em novas formas de organizar e explorar mais o material, mas isso é uma outra história…

Por hora, fica a proposta.

Educação e Tecnologia: utopias, distopias e metáforas

EMENTA: Leituras críticas da relação entre a educação e a tecnologia a partir de utopias,  distopias e metáforas: Tecnologia educacional e ideologia. Metáforas conceituais em perspectiva crítica. Metáforas conceituais da tecnologia educacional. A ficção científica como metáfora, representação e crítica. Questões atuais relativas às tecnologias digitais e cenários da ficção distópica – concepções de educação; ensino; aprendizagem; sujeitos e objetos da educação; privacidade e vigilância em contextos educacionais.

Bibliografia principal

AQUINO, Júlio G; RIBEIRO, Cintya R. (Org.) A Educação por vir: experiências com o cinema. São Paulo: Cortez, 2011.

FERREIRA, Giselle M. S.; LEMGRUBER, Márcio S. Tecnologias educacionais como ferramentas: considerações críticas sobre uma metáfora fundamental. EPAA, v. 26, n. 112, p.  1-15, 2018. Disponível em: https://epaa.asu.edu/ojs/article/view/3864/2124.

FERREIRA, Giselle M. S.; ROSADO, L. A.; CARVALHO, J. S. (Org.). Educação e Tecnologia: abordagens críticas. Rio de Janeiro: SESES/UNESA, 2017. Disponível em: https://ticpe.files.wordpress.com/2017/04/ebook-ticpe-2017.pdf.

HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Trad. Lino Vallandro e Vidal Serrano. 22ª ed. São Paulo: Globo, 2014.

LE GUIN, Ursula. Os despossuídos. Trad. Danilo Lima de Aguiar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

LEMGRUBER, Márcio S.; FERREIRA, Giselle M. S.Metáforas da Tecnologia Educacional. Educação em Foco (UFJF), v. 23, p. 15-38, 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.22195/2447-5246v23n120183351.

LEMGRUBER, Márcio S.; OLIVEIRA, Renato José de. Argumentação e Educação: da ágora às nuvens. In: LEMGRUBER, M. S.; OLIVEIRA, R. J. (Org.) Teoria da Argumentação e Educação (23-55). Juiz de Fora: Editora UFJF, 2011.

LEMOS, Daniel C. de A. (Org.) Distopias e Educação. Entre ficção e ciência. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2016.

LUPTON, Deborah. Digital Sociology. London: Routledge, 2015.

ORWELL, George. 1984. Trad. Alexandre Hubner e Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

SELWYN, Neil. Distrusting Educational Technology. Ed. para Kindle. Londres: Routledge, 2014.

Audiovisual

BROOKER, Charlie. Black Mirror. Seriado Netflix, 2015-.

KUBRICK, Stanley, 2001 Uma odisseia no espaço. Metro-Goldwyn Meyer, 1968.  

SCOTT, Ridley. Blade Runner. Warner Bros. Pictures, 1982.

THE WASCHOWSKIS. A Matrix. Warner Bros. Pictures, 1999.

Bibliografia complementar

CHARTERIS-BLACK, Jonathan. Corpus Approaches to Critical Metaphor Analysis. Londres: Palgrave Macmillan, 2004.

CRUZ, Edgar G. Las metáforas de Internet. Barcelona: Editorial UOC, 2007.

DUSEK, Val. Filosofia da Tecnologia. São Paulo: Loyola, 2009.

GALLO, Sílvio; VEIGA-NETO, Alfredo. (Org.) Fundamentalismo e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: EDUC e Mercado das Letras, 2002[1980].

MORGAN, Richard. The Complete SF Collection. Ed. para Kindle. Londres: Gollancz, 2013.

POSTMAN, Neil. Amusing ourselves to death. Public discourse in the age of show business. Edição de comemoração do 20º aniversário da obra. Nova Iorque: Penguin, 2005[1985].

SELWYN, Neil. Education and Technology: key issues and debates. 2ª. Ed. Edição para Kindle. Londres: Bloomsbury, 2016.

SHELLEY, Mary. Frankenstein. Trad. Bruno Gambarotto. 1ª. Ed. São Paulo: Hedra, 2013.

STEFIK, M. Internet Dreams. Archetypes, myths and metaphors. Cambridge, MA: MIT Press, 2001[1996]

Audiovisual complementar

JUDGE, Mike; ALTSCHULER, John; KRINSKY, Dave. Silicon Valley. Seriado HBO, 2014-.

KALOGRADIS, Laeta. Altered Carbon. Seriado Netflix, 2018-.

NOLAN, Jonathan; JOY, Lisa. Westworld. Seriado HBO, 2016-.

SHYAMALAN, M. Night. A Vila. Touchstones Pictures, 2004.