EdTech (já) é crítica?

Minha leitura com o café da manhã de hoje foi o artigo “An education in Educational technology”, de Peter Goodyear, um dos autores que introduziram a ideia de patterns de Christopher Alexander na educação (ideia que percorreu um caminho da Arquitetura para a Computação para a EdTech).

O artigo pode ser baixado aqui (acesso aberto).

O texto é curioso. Trata-se de uma defesa da legitimidade da EdTech como campo acadêmico (lembrando que se trata de uma área reconhecida em países anglófonos), mas parece, em grande parte, uma “crítica à crítica” pontuada de comentários de cunho pessoal e em um tom razoavelmente “inflamatório”, como o autor declara em algum momento. Na primeira parte, o texto se posiciona contra a necessidade de uma “Critical EdTech” (EdTech crítica), e depois segue explicando o que seria essa EdTech que já é “crítica”, falando bastante sobre o quanto ela é importante.

Textos de vários autores dessa área são mobilizados para sustentar a suposta “criticidade” da EdTech conforme o autor a vê, mas me parece que algumas dessas citações são tomadas fora de contexto ou “esgarçadas” em generalizações indevidas. Por exemplo, o autor costura duas citações com a seguinte frase: “The allegation that we cannot think deeply, act virtuously or speak honestly about our work turns up even more forcefully here” – em tradução livre e apressada: “A alegação de que não podemos pensar profundamente, agir virtuosamente ou falar honestamente sobre o nosso trabalho aparece ainda com mais força aqui …”. Um pouco pessoal demais – se fosse um texto em português, arquivaria com a hashtag #prontofalei.

De qualquer forma, acho que vale a leitura, mas talvez valha mais uma reflexão sobre o que seria a famigerada “crítica”.

Em tempo: a revista Sisyphus, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, publicou um dossiê intitulado “Abordagens Críticas em Tecnologia Educativa” – acesse aqui.

Lançamento de “Educação, tecnologia e ficção: da distopia à esperança”

Da esquerda para a direita, a/os autora/es: Kadja, Carla, Cristal, Camilla, Cíntia, Giselle, Luciana, Márcio e Thiago

Está agora disponível para baixar gratuitamente o eBook Educação, tecnologia e ficção: da distopia à esperança, coletânea de textos produzidos por participantes do Grupo de Pesquisas DEdTec, que coordeno no Departamento de Educação da PUC-Rio.

O livro foi lançado em um evento realizado na segunda-feira que passou, 24/04/2023, no Auditório Anchieta, campus da PUC-Rio. Contamos com uma rápida, mas potente, abertura do Decano do CTCH, o Prof. Júlio Diniz, seguida de uma apresentação da proposta de trabalho que resultou no livro (eu) e do livro em si (meus queridos Márcio Lemgruber e Thiago Cabrera, parceiros na organização da publicação). Estiveram presentes também os Profs. Alexandre Rosado, coordenador do Grupo de Pesquisa Educação, Mídia e Comunidades Surda, do INES/DESU, que escreveu a Apresentação do volume e criou as imagens do livro, e o Prof. Edgar Lyra, Diretor do Dept. de Filosofia da PUC-Rio, que escreveu o Prefácio, além de alunos, ex-alunos e colegas do Dept. de Educação e de outras unidades da PUC-Rio, bem como familiares, amigos e colegas de outras instituições. Minha filha, também presente, contou mais de 70 pessoas em algum momento – quem pôde ficar até o final, compartilhou conosco um café com deliciosos bolos.

Todas as presenças nos deixaram muito felizes, sobretudo as dos “mascotes” do grupo – vários bebês chegaram durante a pandemia, tornando o DEdTec um espaço sempre “pé-no-chão”, mesmo em meio às nossas viagens partindo da ficção científica. Com tudo isso, o evento não foi uma celebração apenas da concretização de um trabalho relativamente longo: marcou, também, a consolidação do DEdTec, que ainda está para completar 5 anos de existência.

Como eu disse no dia, o livro é apenas uma face tangível de um processo conduzido continuamente no grupo e que é, para mim, fundamental: um processo formativo para a criticidade e a autoria, sempre em ambiente acolhedor da diferença e da diversidade. As bases conceituais desse trabalho e o processo que culminou no livro estão apresentadas no primeiro capítulo. Os subsequentes abordam, cada um, uma obra de ficção científica (literatura ou cinema) – aqui está uma descrição sucinta do conjunto.

As orientandas-autoras criaram um vídeo com testemunhos curtos sobre sua participação na experiência, que exibimos após as falas. Ouça a seguir:

Fechamos o evento com uma vídeo-montagem mostrando cenas dos filmes discutidos no volume, especialmente preparada para nós por Luiza Furtado – farei um edit nesta postagem para incluí-lo, quando estiver disponível on-line.

Na sequência, tivemos um encontro do grupo na casa de Cíntia (à direta na foto), mestre egressa do DEdTec que fez uma bela pesquisa sobre podcasts, disponível aqui. Cíntia gentilmente ofereceu sua sala para brindarmos não somente pelo sucesso da proposta, mas, principalmente, pelas relações que temos construído dentro do grupo. Cíntia e Luciana (à esquerda na foto), também membro do grupo, foram os dínamos que tocaram a organização das celebrações, e merecem muitos agradecimentos (junto com o pessoal da secretaria, principalmente Dudu, que preparou o café e ajudou na arrumação inicial do auditório)!

E falando em agradecimentos, preciso mencionar também a Giselle (de Morais, mestranda), que tirou as fotos incluídas na postagem.

Para fechar, convido à leitura quem passar por aqui – o livro foi lançado pela Editora PUC-Rio e pode ser baixado diretamente neste link.

Convite para lançamento de coletânea do Grupo DEdTec

Finalmente está saindo do forno o eBook Educação, Tecnologia e Ficção: da distopia à esperança, publicação da Editora PUC-Rio, fruto de um projeto do Grupo de Pesquisas DEdTec – falarei mais sobre o livro outra hora: no momento, quero deixar aqui o convite para o lançamento, que será na segunda-feira, dia 24 de abril de 2023, às 16h, no Auditório Anchieta da PUC-Rio. Espero encontrar/reencontrar lá colegas e amigos queridos que têm feito parte das trajetórias minha e do meu grupo!

Aproveito para deixar um agradecimento também: os belos materiais de divulgação do evento (e todas as imagens incluídas no volume) foram preparados pelo querido amigo e super colaborador Alexandre Rosado, que trabalha com visualidade com seu grupo de pesquisas Educação, Mídias e Comunicada Surda no INES/DESU.

Ajude-nos com a divulgação clicando nos links a seguir para baixar o cartaz para circulação por email e no Instagram.

Da didacografia de Comênio à IA: artigo publicado (por ora, em inglês)

Acabo de ver que saiu, no Journal of Interactive Media in Education, JIME, meu artigo From Didachography to AI: metaphors teaching is automated by, escrito em discussão com os queridos parceiros Márcio Lemgruber e Thiago Cabrera.

Esse é para comemorar, pois concretiza alguns anos de estudo e discussão com Márcio e, mais recentemente, Thiago.

Em breve, teremos a publicação de uma tradução para o português – o JIME é uma revista internacional produzida por uma editora comercial, mas com uma política de acesso aberto, então é divulgada sob uma licença Creative Commons, ou seja, podemos republicar, traduzir, enfim, divulgar o trabalho sem termos que pagar royalties (por nosso próprio trabalho…).

O artigo trata da enraizamentos históricos de ideias atuais da EdTech – deixo, abaixo, o abstract, e convido os interessados para lerem o trabalho!

Although automation is not a novelty, high hopes are currently pinned on more and more ingenious devices built with Artificial Intelligence (AI). AI has become a key discussion point in the agendas of governments and multinational agencies, with particular interest in educational applications. This article explores parallels between ideas surrounding AI in education and conceptions proposed in the 17th century by Jan Amos Comenius, known as the father of modern education. Drawing upon illustrations from ongoing research that takes metaphor as its core analytical category, the piece assumes that metaphors are not mere stylistic elements, but strategic persuasive devices. Comenius’ didachography, a portmanteau coined in his 1657 Didactica Magna to describe an inclusive educational system, relies heavily on metaphors that suggest remarkable similarities with contemporary EdTech rhetoric, especially on AI-related developments. Whilst exemplifying that ideas and premises entailed in current discourses on EdTech may hark back to centuries-old ideas, the paper argues that, despite taking on varying, contextually situated linguistic expressions, underlying metaphors appear to have endured from Comenius’ time to support the advent of an educational system poised to automate teaching and, thus, dispense with a key part of his scheme: the teacher. In closing, the piece suggests that we may need to acknowledge the contingent nature of teaching and learning, perhaps accepting that key aspects of what makes us human may always resist engineering.

Baixe o artigo em pdf aqui.

EDIT em 14/11/2023: está agora disponível uma tradução do artigo para o português, publicada na revista Educação On-line. Clique aqui para ler.

Pra não dizer que não falei …

… (ainda) do chatGPT….

O assunto #dahora não passou despercebido por aqui – seria impossível, até porque parece já estar instalado um certo pânico moral generalizado, principalmente na educação. Mas parece que estamos naquele momento no qual everybody is talking about it, então vamos lá com meus dois centavos (de observações gerais e uma analogia colorida…).

Não lembro de onde tirei o meme no início da postagem, e também não sei se é “ruim” que a fila à direita seja mais longa do que a fila à esquerda, que me parece representar uma aceitação sem questionamentos da inevitabilidade dessa e de outras “coisas” associadas à IA. Já andei, mesmo sem intenções explícitas, na fila à direita :-), junto com gente querida que compartilhou comigo trocas bastante interessantes. A fluidez dos textos é realmente impressionante, mas parece que erros factuais não são raros (por ora, pelo menos).

Separei alguns escritos que sintetizam pontos que acho interessantes:

  • Já estarem cobrando (no Brasil) por um serviço que, até agora, parece ser mais uma “solução em busca de um problema” (parafraseando Neil Selwyn neste texto, neste livro);
  • Interessante como foram “cavar” um precursor local, considerando como é pequena, no geral, a preocupação atual com enraizamentos históricos da tecnologia (comentei sobre esse problema nos estudos sobre a tecnologia educacional, especificamente, aqui);
  • O medo do fim de certas profissões;
  • Várias matérias no site Porvir, quase todas cobrando “inovação” de escolas (ou “da educação”);
  • Uma rápida mudança de perspectiva, de “tecnologia útil” a “barganha fáustica“, em matérias de John Naughton no jornal The Guardian. Aqui, acrescento que aprecio demais mudanças assim – acho que são importantes para “balançar” as pessoas que pensam que autores, acadêmicos, autores, enfim, gentes criativas seriam seres acabados que estariam sempre a “defender” o mesmo ponto de vista, quando o que torna a vida intelectual e artística interessante e rica é exatamente a possibilidade de mudança.
  • Preocupação com uma possível “escassez de dados” para treinar IA: matéria no MIT Tech Review (uma das fontes que listei aqui sobre “coisas edtech”, mas em português), que me chegou ainda há pouco via Camila Leporace. Achei de uma ironia absurda…

Esses são alguns dos textos que andei lendo – há muitos sobre preocupações com plágio e, sobretudo, a falta de fontes nas respostas. Eu mesma já perguntei ao bot sobre as fontes que usa, e a resposta foi a mesma que outras pessoas me disseram ter recebido: em essência, algo como “não fui desenhado para citar minhas fontes”. Essa é a base da preocupação de muita gente na educação, pois o texto retornado pelo chat pode passar por “original”, pelo menos na perspectiva dos detetores de plágio. Para mim, a preocupação com plágio é algo a ser repensado, pois não vejo como um “problema” que passa apenas pelo texto (escrevi um pouco sobre isso aqui), mas isso é o que temos para hoje, como dizem.

Uns dias atrás, estava curtindo com minha filha uma certa nostalgia da infância dela enquanto assistíamos um dos filmes da saga de Harry Potter, e IA me veio à mente. Especificamente, estávamos vendo o segundo filme, Harry Potter and the Chamber of Secrets. [spoilers adiante, então pare aqui se não leu/viu e pretende ainda fazê-lo] Nesse episódio, surge o malévolo Lord Voldemort na figura de seu self adolescente, Tom Riddle, preservado em um diário. O diário parece vazio, mas Harry descobre que, ao escrever nele, recebe respostas – veja no clip abaixo.

O diário é manipulador, também, induzindo seu interlocutor a ações, mesmo contra sua vontade (não Harry, que tem a “mente” mais forte da ficção infanto-juvenil…). Fiquei pensando se seriam, de certa forma, pedaços da “alma” humana (coletiva, no caso) o que sustenta coisas como chatGPT – seriam “diários”, como o de Riddle, parciais, enviesados e temporais? (ainda que estejam “aprendendo” com as próprias perguntas que lhe são feitas – em ato falho interessante, escrevi, originalmente, “apreendendo”) O desejo de Riddle pela imortalidade e sua ambição de querer controlar tudo e todos tornam o diário triplamente amaldiçoado, pois, para ter um “pedaço” armazenado, a alma precisa ser fragmentada por meio do ato mais vil possível: o assassinato de outro ser humano. Essa história, pelo menos, tem um final (relativamente) feliz: os fãs da saga lembrarão de que Harry triunfa sobre o diário e sobre Voldemort, que, ao fim e ao cabo, não era mais humano, mas sim puro “mal” destilado.

Enfim, avisei que seriam apenas algumas observações gerais e uma analogia colorida…

Falando em história da tecnologia educacional… Comenius!

Lembrando de uma postagem de algumas semanas atrás, sobre a relevância da História nos estudos da Educação e Tecnologia: acaba de sair uma coautoria minha com os queridos Thiago Cabrera e Márcio Lemgruber: “Comenius, tecnologia e educação: uma perspectiva mumfordiana“, na revista Intersaberes, número especial “Educação e filosofia da tecnologia: perspectiva histórica e debates contemporâneos“.

Eis a proposta:

Comenius é apontado, nos livros de História da Educação, como o fundador da pedagogia moderna. Em sua Didactica Magna, publicada em latim em 1657, o autor propôs uma forma de organização detalhada como arcabouço para um sistema educacional inclusivo, um modelo baseado em metáforas e analogias relacionadas à produção manufatureira em expansão em sua época. Este artigo discute a proposta de
Comenius como uma solução técnica para a democratização da educação que se mostra uma importante precursora de formas de pensar a relação entre a educação e a tecnologia na contemporaneidade. O texto examina aspectos da contribuição de Comenius a partir de uma perspectiva inspirada na obra de Lewis Mumford, historiador e filósofo da tecnologia. Em particular, toma o conceito mumfordiano de “megamáquina” para discutir a “didacografia” comeniana, que é apresentada na Didactica em uma analogia detalhada entre a tipografia e a sala de aula. Nessa ótica, o sistema educacional de Comenius seria uma megamáquina composta essencialmente de seres humanos mecanizados, embora não prescinda de artefatos como modelos ou mesmo antecipe a perspectiva de mecanizações mais radicais.

Comenius é um personagem fascinante, um bom “lugar” para começar a desvelar enraizamentos históricos de ideias que sustentam a tecnologia educacional contemporânea, tomando metáforas como eixo teórico fundamental.

Baixe aqui o artigo completo.

Mesa: Inteligência Artificial na Educação

Participei ontem de uma mesa coordenada por Murillo Marschner, professor do Dept. de Sociologia da USP, junto com o Luis Junqueira, sócio-fundador da Letrus, plataforma de tecnologia educacional que utiliza Inteligência Artificial (IA) para auxiliar no letramento de estudantes

O evento foi o último de um ciclo de mesas redondas sobre as oportunidades e os desafios que a IA impõe à democracia, que vem acontecendo desde julho de 2021 com o objetivo de introduz alguns dos temas que serão discutidos durante o I Seminário Internacional Inteligência Artificial: Democracia e Impactos Sociais, a ser realizado em 13 e 14 dezembro de 2021 sob a organização do Center for Artificial Intelligence, C4AI, da USP, e do Observatório da Inovação e Competitividade, OIC-IEA-USP)

Assista a conversa no link a seguir.

O mundo digital em perspectivas feministas (+ tradução de texto curto)

Acaba de sair na revista Freuensolidarität, publicação do coletivo feminista austríaco de mesmo nome, um texto curtinho meu: Digitalen Technologien in Brasilien: Metaphern, nach denen wir leben, auf die wir aber lieber, verzichten würden. Trata-se de um número especial dedicado à discussão, em perspectivas feministas, de questões relativas à digitalização em diferentes países, dentro da proposta geral da revista de levar perspectivas do Sul ao Norte global.

Fui convidada para escrever sobre Big Data e colonialismo de dados no Brasil, creio que, a partir de outra publicação sobre o assunto que saiu no ano passado. Foi um desafio muito interessante, pois me abriu os olhos para questões que não estava considerando em meus estudos a partir de metáforas. Com isso, me senti motivada a finalmente começar um engajamento com formas de pensar (e leituras) com as quais venho “flertando” há um tempo, mas vinha adiando por falta de tempo.

A revista circula, primordialmente, no impresso, mas combinei, com uma das editoras, que iria circular aqui versões em inglês (o original, pois, infelizmente, apenas consigo ler em alemão – e bem mal, hoje em dia) e português (tradução apressada, como sempre).

Transcrevo abaixo o texto pré-edição, e deixo a versão em português neste pdf.

Clique aqui para saber mais sobre o coletivo.

Digital technologies in Brazil: Metaphors we live by, but would prefer not to.

Leader: Ideas surrounding digital technologies in Brazil are often expressed in terms of metaphors that are imported and translated from the Anglophone world. Metaphors, however, are not mere figures of speech, but cognitve devices that create worlds and subjects to inhabit them. This article suggests that technology-related metaphors sustain Modernity’s rationale of progress through control, supporting the country´s (re)colonisation, now via digital means.

Main text

A perfect storm appears to be brewing in Brazil. Whilst an extreme right-wing government unashamedly rewrites history, daily feeding its mob of supporters with countless absurdities, control of national oil reserves and other exploits from the land is quietly given away to multilateral interest groups, with no concern for the environment, nor any real gain for the common citizen. Also traded away with a borderless industry is all the data created daily in internet-based transactions, from ordinary activities like grocery shopping to the exchanges of personal information on social networks and learning platforms that have become, undoubtedly, lifelines during the covid-19 pandemic. As the pandemic rages on in the country, fuelled by denialism, cynicism and other manners of violence, data is fast becoming the new oil, to use its (arguably) most common conception as a metaphor in circulation in the Anglophone world.

But what does it mean, to have a metaphor as a form of conceiving something?

Common-sense understandings of metaphor tend to be, to a large extent, dismissive, even cavalier: mere figures of speech, embellishments, at best, perhaps obfuscating devices, in some academic circles. To illustrate the reductionist character of these perspectives, let´s take an example that remains in use even as it is (or should be) appalling to women: dolls as a vocative.

Dolls have traditionally played a key role in child development across cultures. Highjacked by the capitalist order, however, they eventually came to function as aesthetic models. Despite recent attempts of the toy industry to represent diversity in the abstract sorts of prettiness they (re)present, dolls have come to personify ideals that, in the extreme, support terrible forms of self-mutilation. They are lifeless bodies that sit quietly in a corner until dragged into role playing to scripts created by others. They are animated, managed and manoeuvred by others. They speak with the voices of others. Doll-women have no minds of their own: they exist to articulate, channel, and serve the desires of others.

This example illustrates that metaphors are much more than figures of speech. Metaphors outline specific ways of being, existing and acting in the world. Whilst expressed in language, they possess a physical base and point to materiality: as ways of conceiving things, they outline possibilities and limits to what these things may be, how they are supposed to behave, what they are allowed to do and say. In this sense, metaphors condense specific worldviews, shedding light on certain aspects of existence whilst obscuring others and, thus, embodying ideology.

As women-dolls are creatures destined to a mode of being devoid of agency, data-as-the-new-oil is fated to be a very lucrative commodity, although, as usual, not really to those who effectively produce it.

In this vein, it is not surprising that this is not the most common metaphor of data to be found in Brazilian talk and writing. In my research on how digital educational technologies are being conceived in the country, three other more general metaphors have emerged: data as a natural resource; data as a tool; data as a subject. Talk and writing about data claims that raw data is captured, collected and extracted, prior to being treated and processed in operations such as grouping, cross-referencing and, interestingly, welding. Eventually, data is transferred, stored and exploited, deposited in databases or databanks. Data also helps, supports, facilitates, i.e., personifies a guide that measures, assesses, predicts, and encourages desirable behaviours.

Some claims associated with data and, more generally, digital technologies push us towards the realm of fantasy: Artificial Intelligence (AI), for example, is equated with a powerful precog, a soothsayer who can foretell the future. Data-driven AI becomes an entity with predictive abilities due to an assumed capacity to find meaning in large volumes of data that cannot be processed by human beings. In this way, data-driven technologies are framed not only as subjects but, more specifically, as better subjects, since data is supposedly objective (unbiased), encompassing (omniscient) and precise. Data is thought of as an immaterial being who knows us better than we do ourselves.

However, it is unproductive to talk about the digital world as immaterial, as some commentators insist on doing, considering that their effects in the world are anything but immaterial. In Brazil, the ongoing pandemic has unleashed a huge increase in the adoption, by all sectors and levels of education, for example, of services provided by the ‘Big 5’ (GAFAM – Google, Amazon, Facebook, Apple and Microsoft). Training and other types of support activities have already begun to grow into a profitable trade surrounding this uptake, but little is said in terms of what is effectively being done with all the data generated, how privacy and security may be guaranteed to teachers, students, and their families, and, crucially, how pedagogy is or may be affected by imported standards and their associated practices. Educationalists worry about the sorts of human beings who will emerge from this digital assembly line supported on (and, perhaps more importantly, supportive of) a cross-national infrastructure that escapes all jurisdictions.

To a large extent, technology-related metaphors in Brazil are translations and (mal)adaptations, primarily imports from the Anglophone world made via the industry that produces them. We are thus colonised by a rhetoric that is beset with self-fulfilling prophecies epitomising technological solutionism: the idea that technology will provide the solution to all human problems – although some humans are more equal than others in matters of distribution and access. Like most digital technologies, technologies that trade in data are also tediously marketed as tools, perhaps the most common, albeit unfortunate, manner of conceiving them and defending their assumed usefulness: this is yet another metaphor that conveniently obscures the various types of biases inscribed in these objects throughout their processes of design, manufacture and marketing.

In contemporary Brazil, all of this takes place within an environment of expanding fundamentalism that pays little attention to pre-existing inequalities – digital and otherwise. Hard-won victories on issues related to gender, sexuality and treatment of all manners of minorities are gradually unravelled by a destructive government that supports a local ‘Aunt Lydia’ as the Minister of Women, Families and Human Rights. In this dystopian scenario, despite the lesson taught by the pandemic on the key role of teachers and what they do, home-schooling is now the ‘apple in the eye’ of a powerful elite that gazes covetously at those naively searching for tools to sort out their differences with a battered public education system.

Big data and AI are, in fact, only the latest in a long succession of technological fads, their metaphors consistent with a much older underlying logic: the idea of progress through science and technology that supports the Faustian project of Modernity. In defending the power of science to model and predict, as well as the potential of technology to be harnessed and transformed into solutions to problems, this is a logic that entails a certain type of relationship with nature: nature as something to be tamed, mastered and, ultimately, exploited. This rationale permeates other manners of relations – between people, between classes, between nations – historically associated, through a common genealogy, with a logic of control. All of these metaphors thus compose a conceptual backdrop shared by imperialism, colonialism and, more generally, patriarchy, and can hardly escape supporting subjugation and servitude.

Political life in Brazil appears to be purposefully driving the country back to its original status as an exploitation colony, with data positioned as perhaps one of its most sought-after commodities in emerging digital geopolitics. We are two decades into this century, yet representation of Brazil´s diversity remains poor. To be sure, we have made some strides towards remedying, in particular, women’s representation. However, although we recognise the value of increasing rates of female students in STEM and business or politics, we are confronted with rising numbers of femicides whilst watching media promotion of anthropomorphic female robots, embodiments of a chauvinistic industry.

Identifying and reflecting upon the metaphors that construct our world may be a way forward and away from the logic of oppression that supports Modernity’s technological enterprise. Goethe’s Gretchen declined the invitation to play the supporting role of a doll in Faust’s (mis)adventure, but, in remaining true to what was dear to her, her refusal costed her life. As the Faustian drama continues to unfold, albeit now with a digital façade, we need new metaphors and optional paths for Gretchen and all of those in positions of subservience. Perhaps alternatives may emerge from localised reflection and action in the midst of a brewing storm.

Comment: ‘Aunt Lydia’ is a character is Margaret Atwood’s The Handmaid’s Tale, a piece of dystopian future that portrays a world where young and fertile women of popular classes have been reduced to breeders after a ‘revolution’ that established as norm some of the cruellest patriarchal practices.

Bibliography

Berman, Marshall (1982). All that is solid melts into air. The experience of modernity. New York; London: Penguin.

Ferreira, Giselle M.S. et al. (2020). Metaphors we’re colonised by? The case of data-driven educational technologies in Brazil. Learning, Media and Technology 45(1) pp. 46-60. Available at: https://doi.org/10.1080/17439884.2019.1666872.

Lakoff, George & Johnson, Mark. (1980) Metaphors we live by. Chicago: University of Chicago Press.

Lançamento de *Deseducando a Educação: mentes, materialidades e metáforas*

Uma das mesas a serem realizados durante o I Seminário Internacional Reconceitualizando a Educação, organizado pelo Departamento de Educação da PUC-Rio, marcará a apresentação do livro Deseducando a Educação: mentes, materialidades e metáforas. A mesa será composta pelos Profs. Ralph Bannell, Mylene Mizrahi e Giselle Ferreira (eu!), organizadores do volume, com mediação do Prof. Karl Erik Schollhammer, do Dept. de Letras da PUC-Rio.

A coletânea reúne textos em torno dos três eixos temáticos que estruturam o livro: mentes, materialidades e metáforas. A primeira parte, org. pelo Prof. Ralph, focaliza teorização recente sobre a cognição. A segunda parte, sob a responsabilidade da Profa. Mylene, traz uma gama de contribuições muito interessantes da Antropologia. Por fim, a minha parte congrega textos que exploram metáforas como eixos de discussão de questões da educação. O livro contou com a colaboração de autores nacionais e internacionais bastante respeitados em suas áreas de atuação.

Quer saber mais? Junte-se a nós no dia 15! A conversa será transmitida pelo canal do Departamento de Educação no YouTube, neste link.

O livro será disponibilizado como e-Book de acesso livre – divulgaremos os detalhes de acesso assim que possível.

Ah! Antes de clicar em “publicar”, deixo o convite também para, quem achar interessante e puder, que nos ajude a divulgar – o cartaz pode ser baixado aqui.

Entre a ficção e a realidade: uma experiência

No 7o Colóquio de Pesquisas em Educação e Mídias, que aconteceu on-line na semana passada, apresentei, junto com alguns dos integrantes do DEdTec, um relato sobre o trabalho que conduzimos em 2020.2: Uma experiência de formação com a ficção durante a pandemia: da distopia à esperança. Eis a proposta original:

Apesar da euforia em torno das tecnologias de internet como meios para manter as instituições educacionais em funcionamento durante a pandemia de covid-19, a realidade representada em relatos de jornais, blogs e artigos científicos é bastante diversa. Mundo afora, vidas estão sendo profundamente afetadas (ou, infelizmente, perdidas), e, no âmbito da educação em um país com desigualdades tão marcantes quanto o nosso, professores e estudantes têm enfrentado desafios, em alguns casos, intransponíveis. Mais do que nunca, talvez, a profissão docente se revela como uma das profissões do cuidado: somos formadores de seres humanos. Em particular, na crise que estamos vivendo, nossas propostas pedagógicas precisam superar uma visão “conteudista” do currículo e considerar as possibilidades e limites do aqui e agora, integrando-as, na medida do possível, em nossas ações junto aos nossos alunos.

Nesse sentido, esta proposta baseia-se em uma reflexão sobre uma experiência conduzida, no segundo semestre de 2020, com um grupo de estudantes em processo de formação para a pesquisa em Educação. Na esteira de experimentações anteriores (por ex., Ferreira et al. 2020; Rosado et al, 2015), e inspirada em literatura que explora o potencial da ficção como um recurso formativo (por ex., Aquino & Ribeiro, 2011; Lemos, 2016), a experiência em questão teve dois objetivos principais: (1) apoiar o desenvolvimento de criticidade acerca da relação entre a educação e a tecnologia, utilizando cenários ficcionais que exploram a relação entre humano e máquina; (2) proporcionar um espaço de discussão que possibilitasse a articulação entre o acadêmico e o não acadêmico, sobretudo o pessoal e o vivido. Nesse sentido, foram selecionadas algumas obras de ficção distópica como base do trabalho do grupo ao longo do semestre, complementadas com textos acadêmicos (incluindo Postman, 2005 [1985], Coeckelbergh, no prelo; Haraway, 2009 [1991], dentre outros).  

As seguintes obras foram examinadas em encontros síncronos semanais: (a) Autofab, episódio do seriado Electric Dreams que revisita e atualiza, para o nosso momento de expansão da Inteligência Artificial e criação de robôs antropomórficos, o conto de Phillip K. Dick escrito na década de 1950, quando os temores da humanidade tinham por objeto a tecnologia nuclear; (b) Frankenstein, de Mary Shelley, um clássico da literatura gótica vitoriana considerado o precursor da ficção científica; (c) Metropolis, de Fritz Lang, um clássico do expressionismo alemão que, além de constituir um marco na história do cinema, permanece intensamente relevante em sua exploração da relação entre tecnologia e sociedade; e (d) Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, uma obra publicada em 1932 de notável presciência, que mantém viva sua atualidade, em particular, no que diz respeito às decorrências do avanço tecnológico para a reprodução biológica e sociocultural, conforme destacou Postman (2005 [1985]).

A apresentação aqui proposta irá abordar: (a) os fundamentos teórico-conceituais e a metodologia planejada para a experiência; (b) leituras do grupo a partir das obras (e articulações entre elas), focalizando em formas nas quais essas obras podem nos ajudar a compreender e questionar o contexto atual mais amplo no qual a educação se insere; (c) questões imbricadas nos processos comunicacionais remotos síncronos em um contexto considerado, em si mesmo, distópico. Nele, a experiência mostrou-se não apenas um exercício intelectual, mas sim uma exploração criativa e fortemente solidária, que acolheu e promoveu a reflexão individual e a construção compartilhada de significados em/sobre um contexto desafiador e circunstâncias, com frequência, delicadas. Assim, em uma perspectiva mais ampla, a experiência constitui-se em um exemplo de como a reflexão a partir de narrativas distópicas pode se tornar um alicerce para a humanização, a resistência e, quiçá, a esperança.

Palavras-chave: educação superior na pandemia; distopia; ficção científica; formação de pesquisadores

Referências

AQUINO, J.G.; RIBEIRO, C. (Org.). A Educação por vir: experiências com o cinema. São Paulo: Cortez, 2011.

AUTOFAC (Temporada 1, ep. 8). Electric Dreams [Seriado]. Direção: Peter Horton. Podução: Channel 4 Television Corporation e Sony Pictures Television, 2017. 1 vídeo (51 min).

COECKELBERGH, M. Antropologias do monstro e tecnologia: máquinas, ciborgues e outras ferramentas tecno-antropológicas. In: BANNELL, R.I.; MIZRAHI, M.; FERREIRA, G.M.S. (Org.) Deseducando a educação: mentes, materialidades e metáforas. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, no prelo.

DICK, P.K. Autofab. In: DICK, P.K. Electric Dreams. Trad. Daniel Luhmann. São Paulo: Aleph, 2017 [1955].

FERREIRA, G.M.S. et al. Estratégias para resistir às resistências: experiências de pesquisa e docência em Educação e Tecnologia. e-Curriculum, v. 18, n. 2, p. 994-1016, 2020. Disponível em: < https://doi.org/10.23925/1809-3876.2020v18i2p994-1016 >. Acesso em: 15 jan. 2021.

HARAWAY, D. O manifesto ciborgue. In: Tadeu, T. (Org.) Antropologia do ciborgue. As vertigens do pós-humano. Trans. Tomaz Tadeu. 2a ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009 [1991].

HUXLEY, A. Admirável Mundo Novo. Trad. Vidal de Oliveira e Lino Vallandro. Porto Alegre: Ed. Globo, 1979 [1921].

LEMOS, D.C.A. (Org.) Distopias e Educação. Entre ficção e ciência. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2016.

METROPOLIS. Direção: Fritz Lang.  Produção: Erich Pommer. Alemanha / Finlândia: Universum Film / Yleisradio, 1927/2010. 1 DVD (153 min.).

POSTMAN, N. Amusing ourselves to death. Public discourse in the age of show business. 20th anniversary edition. Nova York; Londres: Penguin, 2005 [1985].

ROSADO, L.A.S. et al. De Metropolis a Matrix: arte e filosofia na formação de pesquisadores em educação. Leitura: Teoria e Prática, v. 33, n. 54, p. 97-110, 2015. Disponível em: < https://ltp.emnuvens.com.br/ltp/article/view/371/272 >. Acesso em 15 jan. 2021.

SHELLEY, M. Frankenstein, ou o Prometeu moderno. Trad. Bruno Gambarotto. São Paulo: Hedra, 2013 [1818].

Os slides da apresentação podem ser baixados neste link.

Infelizmente, meu parceiro nessa aventura de trabalho com filmes e livros, o Prof. Márcio Lemgruber, não conseguiu estabilizar sua conexão à Internet na hora da sessão e, assim, não conseguiu participar, mas eu e Kadja Vieira, mestranda no DEdTec, fizemos a apresentação. Kadja criou o layout para os slides, deixando apenas alguns detalhes para eu finalizar, pois já tínhamos aproveitado a primeira sessão de discussão do grupo neste semestre para organizar as ideias, até porque há muita gente ingressando no grupo agora e achei importante darmos uma ideia ao pessoal novo sobre os caminhos que trilhamos no ano passado.

As perguntas que recebemos foram bastante interessantes e permitiram que elaborássemos um pouco mais as ideias, tanto sobre a experiência em si, quanto sobre as pesquisas em andamento. Gostaria, porém, de dar destaque às respostas dadas por minhas orientandas, que mostraram como a experiência tem sido, de fato, produtiva: como orientadora (professora, de forma mais geral), não espero que meus alunos saiam pelo mundo repetindo o que digo (aqui lembro sempre do amigo Alexandre Rosado, com quem compartilho um horror a sectarismos acadêmicos), mas que se apropriem das ideias com as quais têm contato por meu intermédio e, principalmente, que as questionem sempre. As palavras das três – Kadja, Juliana e Cristal – sugeriram que estamos mesmo a caminhar dessa forma, o que me deixou bastante satisfeita.

Quero também ressaltar o papel fundamental do Prof. Márcio no processo que tem permitido que nosso espaço de discussão vá se constituindo como um espaço livre, protegido, acolhedor e fortemente dialógico: temos uma crença compartilhada de que é mais importante dizer algo sobre o que alguém disse do que simplesmente repetir o que já foi dito, sempre, obviamente, de forma consistente com o momento de formação de cada um. Por outro lado, não abandonamos o papel que nos cabe, como docentes, no sentido de dar apoio e direcionamentos possíveis a cada um que embarque na construção desse caminho que pensamos ser a criticidade.

Tem sido um privilégio estar com ele e com todos que escolhem permanecer no grupo, e é desse estar junto, mesmo que on-line, que a esperança vai se nutrindo – como disse o escritor Ítalo Calvino no fechamento de seu maravilhoso As Cidades Invisíveis,