A programação completa do evento está aqui – e este link leva à playlist das gravações de todas as mesas realizadas no Teatro do IFG, que tem um campus belo e dinâmico (em alguns momentos, lá estava o pessoal do Departamento de Música a ensaiar e animar o local). Na foto ao lado/acima, organizadores e conferencistas no teatro, no primeiro dia doevento.
Muito me orgulhou o convite para participar de um evento que, de fato, extrapolou sua proposta regional para incluir também parcerias com pesquisadoras outros locais, incluindo as professoras Phoebe V. Moore, da Universidade de Essex, e Aléxia Pádua Franco, da Universidade Federal de Uberlândia. Ambas estiveram juntas na mesa de fechamento (foto ao lado/acima), que teve a professora Natália Carvalhaes do IF Goiano, campus Trindade, como mediadora.
Participei de uma mesa (acesse meus slides aqui) mediada pela professora Adda que contou, também, com a contribuição do professor Caio Sgarbi Antunes. Ganhei uma cópia (autografada!) de seu livro A escola do trabalho: formação humana em Marx, que, em breve, irá “furar a fila” longa de leituras que quero (e preciso!) fazer.
A mesa do dia anterior reunira as professoras Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva (UnB) e Maria Cristina Lima Paniago (UCDB), com mediação do professor Jhonny David Echalar (UFG). Conhecia a ambas por seus trabalhos, apenas de nome, então foi uma enorme prazer conhecê-las pessoalmente – e ao Jhonny, com quem já havia colaborado a distância, em um painel do Endipe 2024, para o qual também contribuíram as professoras Adda e Natalia.
Do DEdTec, esteve lá também a Giselle Lima, mestranda egressa do grupo que iniciou seu doutorado em março deste ano. Giselle apresentou a comunicação “Concepções de educação veiculadas por Edtechs no Brasil” em sessão mediada pela professora Cláudia Helena dos Santos Araújo, também integrante do Kadjót. A apresentação foi um recorte da dissertação de Giselle, que teve achados muito ricos, alguns divulgados aqui e aqui.
Foi um evento oportuno e muito bem organizado, com espaço e tempo para encontros fora das sessões de apresentação de trabalhos e mesas, o que é raro, mas muito bem vindo (e produtivo!). A gentileza de tod@s na organização foi enorme (não faltaram caronas!), refletindo, creio, a delicadeza com a qual Joana, fundadora do Kadjót, lida com assuntos tão complexos e controversos. Como não cansei de dizer, foi uma combinação perfeita de criticidade e afeto: que tenha sido apenas o primeiro de uma série de muitos outros encontros em Goiânia!
O sentimento que me veio, já quando o avião se preparava para pousar, foi de algo overwhelming – dizer que a vista é “impressionante” seria uma tradução pobre e sem colorido. Minha impressão inicial foi de que a cidade – o concreto – aterrissou provisória e acidentalmente no meio do verde. Isso persistiu ao longo dos dias que lá fiquei, na maior parte do tempo, ocupada com as atividades do congresso e algumas demandas de casa e trabalho que não podia deixar de atender.
Campus da UFAM, exterior do Centro de Convivência (foto da autora)
O campus da UFAM é lindíssimo, pontuado de encontros e fronteiras entre nossa “civilização” (nossa megamáquina mumfordiana) e a floresta. Em alguns lugares, os encontros me soaram como impasses: por um lado, a floresta me parecia estar a postos, aguardando (não muito pacientemente) oportunidades para retomar seus espaços; por outro, vendo os funcionários atarefados a circular para lá e para cá, ficava a imaginar o trabalho que a universidade ter para sustentar suas fronteiras (e manter sua infraestrutura em funcionamento). E, sendo um momento singular de falta de chuvas e queimadas ao redor da cidade, também vi situações que já se pensou serem impossíveis. Tristeza por isso.
Banner na entrada do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, Manaus (foto da autora)
Voltei para casa pensando em como toda a vida e todos os arranjos humanos são frágeis e provisórios – apesar da híbris do ser humano. Lembrei-me do Fausto “desenvolvedor” que Marshall Bermann discute no primeiro ensaio deste livro, e, também, de Fitzcarraldo – aqui, de fato, lembrei mais das histórias em torno da produção do filme, documentada aqui.
[Esse último link leva a uma versão completa do documentário no site do Internet Archive, que deixo como recomendação para quem talvez tenha interesse em pesquisa documental na internet. O site oferece um arquivo de materiais compartilhados na Web, incluindo “instantâneos” completos de sites tirados periodicamente. A imagem aqui mostra o que o arquivo tem deste blog; clicando em alguma data assinalada, você é levado ao “instantâneo” daquela data, que contém tudo. Muito útil.]
(Bi)vô Silvino e Vô Lauro (arquivo da família da autora)
Enfim, essa foi uma viagem um pouco diferente, porque parte da minha família era de Manaus, mas eu nunca havia estado lá. A família do meu avô paterno transferiu-se para o Rio de Janeiro quando ele tinha por volta de 10 anos, segundo as histórias que contava: pai “nativo”, madeireiro, mãe sergipana descendente de holandeses, mais de 10 filhos. Infelizmente, os registros disso tudo são poucos, mas ficaram algumas fotos, como esta ao lado/acima, e, sobretudo, as histórias, algumas envolvendo o Teatro Amazonas. Coincidentemente, visitei o teatro no dia do aniversário de Manaus, e conseguimos voltar no dia seguinte para um evento já tradicional na cidade: um encontro de tenores precisamente no dia internacional da ópera, que ambos amavam.
Não cheguei a conhecer meu bisavô, mas diz minha mãe que ele fazia poemas, que presentava junto com rosas. Meu avô fazia águas de cheiro e me ensinou a curtir banho de chuva. Talvez todos aterrissemos provisória e temporariamente nos lugares onde nos encontramos.
O livro foi lançado em um evento realizado na segunda-feira que passou, 24/04/2023, no Auditório Anchieta, campus da PUC-Rio. Contamos com uma rápida, mas potente, abertura do Decano do CTCH, o Prof. Júlio Diniz, seguida de uma apresentação da proposta de trabalho que resultou no livro (eu) e do livro em si (meus queridos Márcio Lemgruber e Thiago Cabrera, parceiros na organização da publicação). Estiveram presentes também os Profs. Alexandre Rosado, coordenador do Grupo de Pesquisa Educação, Mídia e Comunidades Surda, do INES/DESU, que escreveu a Apresentação do volume e criou as imagens do livro, e o Prof. Edgar Lyra, Diretor do Dept. de Filosofia da PUC-Rio, que escreveu o Prefácio, além de alunos, ex-alunos e colegas do Dept. de Educação e de outras unidades da PUC-Rio, bem como familiares, amigos e colegas de outras instituições. Minha filha, também presente, contou mais de 70 pessoas em algum momento – quem pôde ficar até o final, compartilhou conosco um café com deliciosos bolos.
Todas as presenças nos deixaram muito felizes, sobretudo as dos “mascotes” do grupo – vários bebês chegaram durante a pandemia, tornando o DEdTec um espaço sempre “pé-no-chão”, mesmo em meio às nossas viagens partindo da ficção científica. Com tudo isso, o evento não foi uma celebração apenas da concretização de um trabalho relativamente longo: marcou, também, a consolidação do DEdTec, que ainda está para completar 5 anos de existência.
Como eu disse no dia, o livro é apenas uma face tangível de um processo conduzido continuamente no grupo e que é, para mim, fundamental: um processo formativo para a criticidade e a autoria, sempre em ambiente acolhedor da diferença e da diversidade. As bases conceituais desse trabalho e o processo que culminou no livro estão apresentadas no primeiro capítulo. Os subsequentes abordam, cada um, uma obra de ficção científica (literatura ou cinema) – aqui está uma descrição sucinta do conjunto.
As orientandas-autoras criaram um vídeo com testemunhos curtos sobre sua participação na experiência, que exibimos após as falas. Ouça a seguir:
Fechamos o evento com uma vídeo-montagem mostrando cenas dos filmes discutidos no volume, especialmente preparada para nós por Luiza Furtado – farei um edit nesta postagem para incluí-lo, quando estiver disponível on-line.
Na sequência, tivemos um encontro do grupo na casa de Cíntia (à direta na foto), mestre egressa do DEdTec que fez uma bela pesquisa sobre podcasts, disponível aqui. Cíntia gentilmente ofereceu sua sala para brindarmos não somente pelo sucesso da proposta, mas, principalmente, pelas relações que temos construído dentro do grupo. Cíntia e Luciana (à esquerda na foto), também membro do grupo, foram os dínamos que tocaram a organização das celebrações, e merecem muitos agradecimentos (junto com o pessoal da secretaria, principalmente Dudu, que preparou o café e ajudou na arrumação inicial do auditório)!
E falando em agradecimentos, preciso mencionar também a Giselle (de Morais, mestranda), que tirou as fotos incluídas na postagem.
Esse é para comemorar, pois concretiza alguns anos de estudo e discussão com Márcio e, mais recentemente, Thiago.
Em breve, teremos a publicação de uma tradução para o português – o JIME é uma revista internacional produzida por uma editora comercial, mas com uma política de acesso aberto, então é divulgada sob uma licença Creative Commons, ou seja, podemos republicar, traduzir, enfim, divulgar o trabalho sem termos que pagar royalties (por nosso próprio trabalho…).
O artigo trata da enraizamentos históricos de ideias atuais da EdTech – deixo, abaixo, o abstract, e convido os interessados para lerem o trabalho!
Although automation is not a novelty, high hopes are currently pinned on more and more ingenious devices built with Artificial Intelligence (AI). AI has become a key discussion point in the agendas of governments and multinational agencies, with particular interest in educational applications. This article explores parallels between ideas surrounding AI in education and conceptions proposed in the 17th century by Jan Amos Comenius, known as the father of modern education. Drawing upon illustrations from ongoing research that takes metaphor as its core analytical category, the piece assumes that metaphors are not mere stylistic elements, but strategic persuasive devices. Comenius’ didachography, a portmanteau coined in his 1657 Didactica Magna to describe an inclusive educational system, relies heavily on metaphors that suggest remarkable similarities with contemporary EdTech rhetoric, especially on AI-related developments. Whilst exemplifying that ideas and premises entailed in current discourses on EdTech may hark back to centuries-old ideas, the paper argues that, despite taking on varying, contextually situated linguistic expressions, underlying metaphors appear to have endured from Comenius’ time to support the advent of an educational system poised to automate teaching and, thus, dispense with a key part of his scheme: the teacher. In closing, the piece suggests that we may need to acknowledge the contingent nature of teaching and learning, perhaps accepting that key aspects of what makes us human may always resist engineering.
O assunto #dahora não passou despercebido por aqui – seria impossível, até porque parece já estar instalado um certo pânico moral generalizado, principalmente na educação. Mas parece que estamos naquele momento no qual everybody is talking about it, então vamos lá com meus dois centavos (de observações gerais e uma analogia colorida…).
Não lembro de onde tirei o meme no início da postagem, e também não sei se é “ruim” que a fila à direita seja mais longa do que a fila à esquerda, que me parece representar uma aceitação sem questionamentos da inevitabilidade dessa e de outras “coisas” associadas à IA. Já andei, mesmo sem intenções explícitas, na fila à direita :-), junto com gente querida que compartilhou comigo trocas bastante interessantes. A fluidez dos textos é realmente impressionante, mas parece que erros factuais não são raros (por ora, pelo menos).
Separei alguns escritos que sintetizam pontos que acho interessantes:
Já estarem cobrando (no Brasil) por um serviço que, até agora, parece ser mais uma “solução em busca de um problema” (parafraseando Neil Selwyn neste texto, neste livro);
Interessante como foram “cavar” um precursor local, considerando como é pequena, no geral, a preocupação atual com enraizamentos históricos da tecnologia (comentei sobre esse problema nos estudos sobre a tecnologia educacional, especificamente, aqui);
Várias matérias no site Porvir, quase todas cobrando “inovação” de escolas (ou “da educação”);
Uma rápida mudança de perspectiva, de “tecnologia útil” a “barganha fáustica“, em matérias de John Naughton no jornal The Guardian. Aqui, acrescento que aprecio demais mudanças assim – acho que são importantes para “balançar” as pessoas que pensam que autores, acadêmicos, autores, enfim, gentes criativas seriam seres acabados que estariam sempre a “defender” o mesmo ponto de vista, quando o que torna a vida intelectual e artística interessante e rica é exatamente a possibilidade de mudança.
Preocupação com uma possível “escassez de dados” para treinar IA: matéria no MIT Tech Review (uma das fontes que listei aqui sobre “coisas edtech”, mas em português), que me chegou ainda há pouco via Camila Leporace. Achei de uma ironia absurda…
Esses são alguns dos textos que andei lendo – há muitos sobre preocupações com plágio e, sobretudo, a falta de fontes nas respostas. Eu mesma já perguntei ao bot sobre as fontes que usa, e a resposta foi a mesma que outras pessoas me disseram ter recebido: em essência, algo como “não fui desenhado para citar minhas fontes”. Essa é a base da preocupação de muita gente na educação, pois o texto retornado pelo chat pode passar por “original”, pelo menos na perspectiva dos detetores de plágio. Para mim, a preocupação com plágio é algo a ser repensado, pois não vejo como um “problema” que passa apenas pelo texto (escrevi um pouco sobre isso aqui), mas isso é o que temos para hoje, como dizem.
Uns dias atrás, estava curtindo com minha filha uma certa nostalgia da infância dela enquanto assistíamos um dos filmes da saga de Harry Potter, e IA me veio à mente. Especificamente, estávamos vendo o segundo filme, Harry Potter and the Chamber of Secrets. [spoilers adiante, então pare aqui se não leu/viu e pretende ainda fazê-lo] Nesse episódio, surge o malévolo Lord Voldemort na figura de seu self adolescente, Tom Riddle, preservado em um diário. O diário parece vazio, mas Harry descobre que, ao escrever nele, recebe respostas – veja no clip abaixo.
O diário é manipulador, também, induzindo seu interlocutor a ações, mesmo contra sua vontade (não Harry, que tem a “mente” mais forte da ficção infanto-juvenil…). Fiquei pensando se seriam, de certa forma, pedaços da “alma” humana (coletiva, no caso) o que sustenta coisas como chatGPT – seriam “diários”, como o de Riddle, parciais, enviesados e temporais? (ainda que estejam “aprendendo” com as próprias perguntas que lhe são feitas – em ato falho interessante, escrevi, originalmente, “apreendendo”) O desejo de Riddle pela imortalidade e sua ambição de querer controlar tudo e todos tornam o diário triplamente amaldiçoado, pois, para ter um “pedaço” armazenado, a alma precisa ser fragmentada por meio do ato mais vil possível: o assassinato de outro ser humano. Essa história, pelo menos, tem um final (relativamente) feliz: os fãs da saga lembrarão de que Harry triunfa sobre o diário e sobre Voldemort, que, ao fim e ao cabo, não era mais humano, mas sim puro “mal” destilado.
Enfim, avisei que seriam apenas algumas observações gerais e uma analogia colorida…
Comenius é apontado, nos livros de História da Educação, como o fundador da pedagogia moderna. Em sua Didactica Magna, publicada em latim em 1657, o autor propôs uma forma de organização detalhada como arcabouço para um sistema educacional inclusivo, um modelo baseado em metáforas e analogias relacionadas à produção manufatureira em expansão em sua época. Este artigo discute a proposta de Comenius como uma solução técnica para a democratização da educação que se mostra uma importante precursora de formas de pensar a relação entre a educação e a tecnologia na contemporaneidade. O texto examina aspectos da contribuição de Comenius a partir de uma perspectiva inspirada na obra de Lewis Mumford, historiador e filósofo da tecnologia. Em particular, toma o conceito mumfordiano de “megamáquina” para discutir a “didacografia” comeniana, que é apresentada na Didactica em uma analogia detalhada entre a tipografia e a sala de aula. Nessa ótica, o sistema educacional de Comenius seria uma megamáquina composta essencialmente de seres humanos mecanizados, embora não prescinda de artefatos como modelos ou mesmo antecipe a perspectiva de mecanizações mais radicais.
Comenius é um personagem fascinante, um bom “lugar” para começar a desvelar enraizamentos históricos de ideias que sustentam a tecnologia educacional contemporânea, tomando metáforas como eixo teórico fundamental.
Baixei e comecei a ler (levarei um tempo para finalizar, devido a outras demandas, mas ontem consegui dar conta da introdução e da conclusão), e a introdução sugere que Weller seguiu a linha de uma proposta que comentei em uma postagem anterior: o uso criativo e lúdico de metáforas. Ele anuncia o seguinte (p. 12):
This is not primarily a book about metaphors, or metaphorical reasoning, but a book of metaphors.
Tenho alguns “livros de metáforas” (nenhum relativo a tecnologias educacionais) bastante divertidos – a leitura, então, parece promissora.
Dei uma olhada nas referências também, e identifiquei alguns textos que acho fundamentais nos estudos da metáfora na educação – como este (1998). A obra seminal de Lakoff e Johnson também está lá, na fundamentação teórica (em português, a excelente tradução do Mercado das Letras está indisponível aqui, mas encontrei aqui, ainda que a um preço meio assustador – como todos os livros no momento).
O autor parece ter privilegiado uma perspectiva instrumental da metáfora como ferramenta para o uso e implantação de tecnologias na educação. A palavra “ferramenta/s” (tool/s) aparece 71 vezes nas 199 páginas do livro (incluindo nessa contagem o material pré e pós-textual). A ver o que isso me dirá.
Dando uma diagonal rápida, vejo que Weller articula o livro a seu blog (um projeto que ele mantém há muitos anos) e a produções anteriores (em particular, seu livro The Digital Scholar). Também me parece haver um foco na Educação Superior, em particular, a distância (mais uma articulação do autor, aqui, a seu local de atuação), e um capítulo dedicado ao online pivot, que chamei de “virada on-line” no início da pandemia.
Tentarei ler logo (não deverá ser difícil, pois a escrita dele é sempre objetiva e fluente) e resenhar.
Estamos (o grupo DEdTec) com um livro no prelo intitulado Educação, tecnologia e ficção: da distopia à esperança, produto de discussões que tivemos ao longo da pandemia (que ainda não acabou, apesar dos diversos decretos). Para mim, mais importante do que o produto foi o processo de criá-lo: um exercício de escrita colaborativa.
Na experiência, ficou claro que escrever é sempre algo que pode trazer diferentes medidas de angústia, um certo “sofrimento” (diferentes manifestações do proverbial “sangue, suor e lágrimas”), até, como qualquer trabalho criativo. Contudo, é muito difícil desconstruir a mítica do “gênio” e da noção de que obras inteiras sairiam prontas e perfeitas da mente de seu criador (na música, temos sempre citadas as partituras de Mozart, que têm pouquíssimos rabiscos, mudanças ou correções). Acho lamentável e muito destrutivo para qualquer autor (iniciante ou não) imaginar, romanticamente, que um texto simplesmente “brota” ou se “manifesta” completo quando pena é lançada ao papel sob a luz de velas…
Edgar Allan Poe (merchandise à venda em múltiplos sites – porque nada escapa da mercantilização)
Em The Philosophy of Composition, ensaio de 1846, o escritor Edgar Allan Poe reconta como compôs sua obra (talvez) mais conhecida: o poema The Raven(aqui em tradução, para o português, de Machado de Assis). É uma lindeza de texto, que me foi apresentado por minha filha (ao longo de sua formação, ela me re-forma). Achei uma leitura deliciosa para quem gosta de bastidores, mesmo inventados (minha primeira pergunta para ela foi se o texto seria, também, ficcional).
Enfim, Poe começa o texto dizendo que seu processo de composição é diferente do que seria o “usual”, e situa a escrita do ensaio da seguinte forma:
I have often thought how interesting a magazine paper might be written by any author who would – that is to say, who could – detail, step by step, the processes by which any one of his compositions attained its ultimate point of completion. Why such a paper has never been given to the world, I am much at a loss to say – but, perhaps, the autorial vanity has had more to do with the omission than any other cause. Most writers – poets in special – prefer having it understood that they compose by a species of fine frenzy – an ecstatic intuition – and would positively shudder at letting the public take a peep behind the scenes, at the elaborate and vacillating crudities of thought – at the true purposes seized only at the last moment – at the innumerable glimpses of idea that arrived not at their maturity of full view – at the fully-matured fancies discarded in despair as unmanageable – at the cautious selections and rejections – at the painful erasures and interpolations – in a word, at the wheels and pinions – the tackle for scene-shifting – the step-ladders, and demon-traps – the cock’s feathers, the red paint and the black patches, which, in ninety-nine cases out of a hundred, constitute the properties of the literary histrio.
Poe se refere a escritores e poetas (“em particular”), em uma descrição (que não poderia deixar de ser poética) das idas e vindas do trabalho criativo, prenunciando a apresentação detalhada (ainda que possa ser fictícia) de seus próprios processos. Outro dia em que tenha tempo, buscarei uma tradução (seria um enorme atrevimento meu tentar traduzir qualquer trecho deste texto).
A questão é que imagens românticas como a que pintei acima apenas causam angústia e são, assim, improdutivas. Na vida acadêmica, produzir não é apenas um imperativo burocrático de avaliações de pesquisa, mas parte integrante do que fazemos. Precisamos trocar ideias. Com isso, colocá-las no papel (hoje em dia, na tela) deveria ser algo corriqueiro. Manter um blog, por exemplo, pode ser um exercício com duplo propósito: por um lado, desenvolver a escrita em si; por outro, praticar uma forma importante de desapego, já que nenhum texto, mesmo (pretensamente, ou por força das circunstâncias) finalizado, é perfeito
(E eu, pelo menos, além de aceitar, de bom grado, imperfeições – grandes ou pequenas, como aqueles pequenos escorregões que mesmo editores muito experientes podem deixar escapar -, sempre me reservo o direito de mudar de ideia com o tempo).
Acho importante repensar essas ideias herdadas e compreender que escrever não é “psicografar” (escrever dessa forma na academia me pareceria perigosamente próximo ao plágio). Uma analogia que comecei a explorar para fazer essa discussão com orientandos é a de que escrever um texto é como esculpir uma cabeça em argila (algo adorável que experimentei fazer quando era doutoranda, e que gostaria de retomar um dia). Creio que nenhum escultor cria um nariz ou orelha “perfeitos” isoladamente do resto da cabeça: a cabeça vai tomando forma em um processo iterativo, de retorno a cada parte à medida que o todo vai se formando na argila.
Esculpindo uma cabeça em argila
Este vídeo é um pouco longo, mas mostra o que descrevi acima (acho que vale assistir, mesmo em velocidade acelerada)
Da mesma forma que seria improdutivo (aliás, acho que impossível) produzir a escultura simplesmente juntando partes criadas isoladamente (a menos que se trate do Sr. Cabeça de Batata), a escrita de um texto tenderia a ficar “emperrada” na busca pela frase ou pelo parágrafo perfeitos. Com isso, acho que é preciso uma boa dose de desprendimento e alguma coragem para criar algo que poderá parecer desproporcional, até “monstruoso” (inicialmente, pelo menos), mas que, aos poucos, originará algo significativo, talvez até belo. Na verdade, “monstruosa” é a busca inglória por uma perfeição inalcançável.
Nesse espírito, e ciente de que metáforas e analogias tendem a se “quebrar” quando postas sob uma lupa, termino meu próprio exercício de hoje (mesmo que acabe passando novamente por constrangimentos acadêmicos).
Participei ontem de uma mesa coordenada por Murillo Marschner, professor do Dept. de Sociologia da USP, junto com o Luis Junqueira, sócio-fundador da Letrus, plataforma de tecnologia educacional que utiliza Inteligência Artificial (IA) para auxiliar no letramento de estudantes
Têm pipocado por aí muitas propostas de formas que a educação pós-pandemia (de fato, educação na pandemia, pois ela ainda não acabou) poderá ou deverá tomar – e elas me preocupam.
Vejo muitos casos de mais do mesmo, mas com menos… menos carteiras para números menores de estudantes nos mesmos espaços, organizados da mesma forma de sempre (carteiras enfileiradas direcionadas para algum tipo de quadro). Tenho visto também casos de mais do mesmo, mas com mais: de novo, a mesma organização de objetos no espaço da sala, mas separados por divisórias transparentes. Veja algumas imagens aqui (há coisas interessantes também acontecendo: veja aqui algumas fotos de uma experiência na Espanha que viralizou a partir de uma foto que realmente não deu ideia do que teria sido tentado)
Além disso, o velho rótulo de “ensino híbrido” vem sendo resgatado, reinventado, em alguns casos, com nomes novos, em outros, com propostas de modelos bastante estranhas. Em décadas anteriores, mas já após o surgimento da Web, o conceito de ensino híbrido desafiava a polarização entre ensino presencial e ensino on-line no que diz respeito ao tempo de contato em professor e alunos: esquemas de ensino híbrido seriam constituídos de momentos presenciais (síncronos) e momentos on-line (assíncronos). O planejamento envolvido aqui é bastante trabalhoso, sem contar o suporte aos alunos. De qualquer forma, não é nada que instituições de EaD já não viessem fazendo, ainda que em contextos e concretizações diferentes (inclusive anteriormente à internet).
Pois a ideia da hora me parece ser um tal “ensino híbrido” (há outros nomes para a mesma ideia) no qual o professor é confrontado com câmera(s) e telas como “plugins” na velha sala de aula, para que possa “dar sua aula” a estudantes presentes tanto no espaço da sala, quanto via internet. Mas que tipos de interações são possíveis em arranjos assim? Como geri-las? Que efeitos essa combinação de tipos diferentes de presença poderia ter, inclusive, na saúde mental do professor? Em muitos casos, essas experiências serão ou estão sendo gravadas. Por que? Para quê? Como estariam sendo tratadas as questões de direitos de imagem (de professores e alunos) e direitos autorais (se estão sendo tratadas…)?
Essas são apenas algumas questões que me ocorrem em uma aproximação inicial ao enorme desafio posto por esse arranjo, um desafio pedagógico e, em sua base, comunicacional. O arranjo me parece uma enorme gambiarra (termo que guardo com carinho dos meus tempos de estudante de engenharia, pois serve para tanta coisa relacionada à Educação e Tecnologia), algo criado a partir de proverbiais “puxadinhos” que partem de uma ideia que, em si, já precisa ser repensada, ou seja, um cenário que apenas o solucionismo tecnológico poderia enxergar como saída para qualquer coisa.
Mesmo com o avanço da vacinação, estamos diante de incógnitas fundamentais que deixam as instituições educacionais com problemas logísticos enormes, mas que também revelam problema que já existiam. Dentre eles, a questão das salas de aulas lotadas e o foco na hora-aula como parâmetro fundamental na construção do currículo. Acho que esses são os pontos para começar a discussão. Sem isso, temo que estaremos aceitando (que seja por omissão) a premissa de inevitabilidade da inovação por meio de tecnologias digitais e, assim, contribuindo para a criação de aberrações sob um modelo de Ensino Frankenstein.