Enraizamentos, fronteiras e memórias

Detalhe do palco do Teatro Amazonas, Manaus (foto da autora)

Duas semanas atrás, estive em Manaus para participar da 41a Reunião Nacional da Anped (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação), que aconteceu no campus da UFAM. Esse evento, bienal, é algo (quase) mandatório para quem faz pesquisa no campo da Educação no país. Na ocasião, coordenei um painel intitulado Educação e Tecnologia: entre a potência e a realidade, que incluiu a apresentação de um trabalho baseado na pesquisa de mestrado de Kadja Vieira, mestre egressa do DEdTec que explorou, durante a pandemia, o avanço das GAFAM na educação básica nacional.

O sentimento que me veio, já quando o avião se preparava para pousar, foi de algo overwhelming – dizer que a vista é “impressionante” seria uma tradução pobre e sem colorido. Minha impressão inicial foi de que a cidade – o concreto – aterrissou provisória e acidentalmente no meio do verde. Isso persistiu ao longo dos dias que lá fiquei, na maior parte do tempo, ocupada com as atividades do congresso e algumas demandas de casa e trabalho que não podia deixar de atender.

Campus da UFAM, exterior do Centro de Convivência (foto da autora)

O campus da UFAM é lindíssimo, pontuado de encontros e fronteiras entre nossa “civilização” (nossa megamáquina mumfordiana) e a floresta. Em alguns lugares, os encontros me soaram como impasses: por um lado, a floresta me parecia estar a postos, aguardando (não muito pacientemente) oportunidades para retomar seus espaços; por outro, vendo os funcionários atarefados a circular para lá e para cá, ficava a imaginar o trabalho que a universidade ter para sustentar suas fronteiras (e manter sua infraestrutura em funcionamento). E, sendo um momento singular de falta de chuvas e queimadas ao redor da cidade, também vi situações que já se pensou serem impossíveis. Tristeza por isso.

Banner na entrada do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, Manaus (foto da autora)

Voltei para casa pensando em como toda a vida e todos os arranjos humanos são frágeis e provisórios – apesar da híbris do ser humano. Lembrei-me do Fausto “desenvolvedor” que Marshall Bermann discute no primeiro ensaio deste livro, e, também, de Fitzcarraldo – aqui, de fato, lembrei mais das histórias em torno da produção do filme, documentada aqui.

[Esse último link leva a uma versão completa do documentário no site do Internet Archive, que deixo como recomendação para quem talvez tenha interesse em pesquisa documental na internet. O site oferece um arquivo de materiais compartilhados na Web, incluindo “instantâneos” completos de sites tirados periodicamente. A imagem aqui mostra o que o arquivo tem deste blog; clicando em alguma data assinalada, você é levado ao “instantâneo” daquela data, que contém tudo. Muito útil.]

(Bi)vô Silvino e Vô Lauro (arquivo da família da autora)

Enfim, essa foi uma viagem um pouco diferente, porque parte da minha família era de Manaus, mas eu nunca havia estado lá. A família do meu avô paterno transferiu-se para o Rio de Janeiro quando ele tinha por volta de 10 anos, segundo as histórias que contava: pai “nativo”, madeireiro, mãe sergipana descendente de holandeses, mais de 10 filhos. Infelizmente, os registros disso tudo são poucos, mas ficaram algumas fotos, como esta ao lado/acima, e, sobretudo, as histórias, algumas envolvendo o Teatro Amazonas. Coincidentemente, visitei o teatro no dia do aniversário de Manaus, e conseguimos voltar no dia seguinte para um evento já tradicional na cidade: um encontro de tenores precisamente no dia internacional da ópera, que ambos amavam.

Não cheguei a conhecer meu bisavô, mas diz minha mãe que ele fazia poemas, que presentava junto com rosas. Meu avô fazia águas de cheiro e me ensinou a curtir banho de chuva. Talvez todos aterrissemos provisória e temporariamente nos lugares onde nos encontramos.

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