
Tivemos ontem (sexta 25/10) o terceiro encontro dos grupos Filosofia da Tecnologia, coordenado pelo prof. Edgar Lyra, do Dept. de Filosofia da PUC-Rio, Formação Docente e Tecnologias, ForTec, coordenado pela profa. Magda Pischetola, do Dept. de Educação da PUC-Rio, e o DEdTec. O encontro é uma das atividades pertinentes ao projeto “Educação, Filosofia e Tecnologia: diálogos interdisciplinares”, que é apoiado pelo Instituto de Estudos Avançados em Humanidades, IEAHu, do Centro de Teologia e Ciências Humanas, CTCH da PUC-Rio. Dessa vez, o Prof. Ralph Ings Bannell, nosso colega no Dept. de Educação, e seu grupo se juntaram a nós, e a Profa. Magda mais uma vez participou via videoconferência. O prof. Alexandre Rosado do INES não pode estar presente, pois estava ocupado com o processo de seleção para o novo Mestrado em Educação Bilíngue.
Nessa sessão, ainda explorando a primeira área temática que identificamos no primeiro encontro, tomamos como base para a discussão o artigo “Hannah Arendt e a ficção científica“, do Prof Edgar e o “Prólogo” da obra A Condição Humana, de Hannah Arendt.
Para dar um impulso inicial na conversa, apresentei um rapidíssimo sumário do artigo utilizando os mapas mentais mostrados abaixo (clique nas imagens para baixá-las ou visualizá-las em formato pdf em abas separadas).
Usei o aplicativo Simple Mind, meu predileto, por sua simplicidade, em um tablet, mas veja aqui alguns exemplos compostos com outras possibilidades. Noto, também, que esses mapas não têm uma lógica única para sua confecção; de fato, acho o processo de compô-los muito mais útil do que os objetos que dele resultam, como escrevi aqui. O que normalmente faço é definir o nó central (por exemplo, o primeiro mapa abaixo toma como nó central o texto inteiro) e daí ir criando os nós seguintes, no sentido dos ponteiros do relógio. Só faço isso, porém, após, minimamente, duas leituras atentas, nas quais identifico os objetivos do texto, sua estrutura, argumento central, premissas, conclusões, enfim, um mínimo que me permita compreender o texto. Subsequentemente, adiciono (com fundo diferente ou como anotações que podem ser escondidas, para não sobrecarregar a imagem) observações, questões e relações com outros textos.
Como esses mapas foram feitos apressadamente, vale destacar alguns detalhes importantes:
- Não foi tomado simplesmente um único texto de Arendt, como o segundo mapa pode sugerir: de fato, o texto mobiliza diversos escritos da autora para contextualizar seu Prólogo e expandir a discussão de conceitos centrais à sua obra;
- No segundo mapa, em particular, usei aspas para demarcar citações literais, mas omiti as referências; em alguns casos, são comentários do autor, enquanto, em outros, são citações diretas de obras de Arendt. Não foi descaso, mas, sim, pressa (meus alunos sabem que sou chatérrima com autoria e citações, a ponto de insistir em lhes dizer que se trata, também, de uma questão de cortesia profissional…).
- Os elementos marcados com fundo lilás ilustram os tipos de adições que vou fazendo a partir de reflexões sobre possíveis articulações com outros escritos e, nesse caso, obras não elencadas pelo autor; essa parte é um trabalho continuado.
Edgar comenta no texto que a menção de Arendt à ficção científica é única em sua obra no sentido que foi uma ideia que a autora sugeriu mas não chegou a desenvolver. Pena que haja tanta desconfiança, digamos, desse gênero. De qualquer forma, esse texto foi um achado felicíssimo para mim, pois desde os meus tempos na Open University venho buscando materiais que tomem obras ficcionais como base para contextualização de discussões sobre Educação e Tecnologia. E como disse ao autor, fiquei bem surpresa de ver outra criatura (conheci pouquíssimas, pessoas com quem nem tenho mais contato) que parece *curtir* filmes B da década de 1950! 🙂
Para a disciplina de pós que estou ministrando neste semeste, por exemplo, selecionei alguns capítulos de A Educação por vir (coletânea de 2011 organizada por Júlio Aquino e Cyntia Ribeiro) e de Distopias e Educação – entre ficção e ciência (coletânea de 2016 organizada por Daniel Lemos). Deixei o interessantíssimo Fundamentalismo e Educação, organizado por Silvio Gallo e Alfredo Veiga-Neto (2009), para alguma outra ocasião (ainda que o assunto seja da mais pura atualidade…).
Em projetos passados, o foco não foi, especificamente, a ficção científica – este curso, produto de um desses projetos, utilizava uma gama de exemplos da dramaturgia selecionados por meu colaborador, o Prof. John Monk, que, na época, estava envolvido, junto a associações profissionais de Engenharia e Computação na Inglaterra, em projetos relacionados à inclusão do ensino de Ética na formação de engenheiros, técnicos e cientistas. Ontem, de fato, o prof. Ralph questionou se a integração de discussões filosóficas na formação de tecnólogos e cientistas seria um caminho para apoiar a reconstrução da esfera pública, que, segundo Arendt, Habermas e outros, estaria em crise. Em seu trabalho, John tomava a necessidade de tal integração como premissa.
Há, certamente, bastante discussão de obras ficcionais na área da Comunicação (por exemplo, há uma bela discussão de A Matrix no primeiro artigo/capítulo no livro A religião das máquinas, de Erick Felinto), mas pouco, pelo menos que eu tenha conseguido localizar até agora, que dê atenção a questões da Educação de forma minimamente aprofundada. Começam a surgir comentários sobre a significância de obras como a série Black Mirror para apoiar reflexões sobre as tecnologias, mas o problema é teórico: para que discussões de obras ficcionais sejam produtivas, é preciso teorização. O texto do prof. Edgar apresenta uma variedade de livros e filmes de ficção científica que poderiam se prestar muito bem à discussão de temáticas tratadas por Arendt em sua obra (mostradas nos mapas 1 e 3); ou seja, ainda que não dê centralidade à educação em sua discussão, o texto pode ser um excelente recurso pedagógico exatamente porque oferece, a partir de Arendt, chaves de leitura para as obras ficcionais. Sem isso, acho melhor que deixemos os livros e filmes a cargo da crítica cinematográfica especializada – ou para conversas informais com amigos.
[Falando em Black Mirror, uma nota de pé – ou meio – de página: o prof. Edgar me falou sobre uma coletânea que ainda está para sair, Black Mirror and Philosophy: Dark Reflections (The Blackwell Philosophy and Pop Culture Series)- e procurando por ela, encontrei mais material interessante: Black Mirror and Critical Media Theory e Inside Black Mirror, do próprio criador da série, Charlie Brooker. Este último parece já ter uma tradução para o português, mas o preço é impronunciável, inacreditável, imoral…]
Na sessão de ontem, na verdade, muitas questões relativas à educação foram levantadas. Especificamente, como Arendt fundamenta sua sugestão em um reconhecimento da “impossibilidade da linguagem comum – portanto, da política, acompanhar os desenvolvimentos científicos do século XX”, uma das temáticas que perpassam esse projeto foi diretamente levantada: interdisciplinaridade. Nesse particular, Edgar nos contou sobre a metáfora das barreiras que precisam ser transpostas para que haja conversas entre cientistas de diferentes áreas como “fossos com jacarés”. Enquanto a discussão passou a questões relativas à comunicação da ciência, em minha imaginação, a metáfora foi remixada e tomou a forma de uma provocação: seríamos nós, estudiosos e cientistas de diferentes especialidades, diferentes espécies de jacarés em aquários separados?
Enfim, além da questão da necessidade de uma base teórica consistente que ofereça chaves de leitura para abordarmos as obras, há também um “nó”, digamos, quanto à hipótese que fundamentaria usos pedagógicos da ficção (científica ou não). Creio (e acho que o prof. Ralph concorda) que suas “potencialidades políticas”, conforme diz Edgar no texto, não estariam desvinculadas de suas potencialidades estéticas. Está, aqui, algo a ser pensado, mas termino por aqui (a postagem já está muito longa) com as palavras da escritora estadunidense Ursula le Guin (talvez a lacuna mais significativa que identifiquei no inventário de obras do texto), que articula algumas dessas potencialidades de forma magistral (e, de quebra, falando sobre metáforas):
O artista lida com o que não pode ser dito em palavras.
O artista cujo meio é a ficção faz isto em palavras. O romancista diz em palavras o que não pode ser dito em palavras.
Palavras, então, podem ser usadas de maneira paradoxal, pois possuem, juntamente com um uso semiótico, um uso simbólico ou metafórico. (Palavras também têm som – um fato em que os positivistas linguísticos não demonstram interesse. Uma frase ou parágrafo é como um acorde ou uma sequência harmônica em música: seu significado pode ser compreendido mais claramente por um ouvido atento, mesmo que lido em silêncio, do que por um intelecto atento).
Toda ficção é metáfora. Ficção científica é metáfora. O que a separa de formas mais antigas de ficção parece ser o uso de novas metáforas, tiradas de alguns grandes dominantes de nossa vida contemporânea – ciência, todas as cinências, entre elas a tecnologia e as perspectivas relativista e histórica. A viagem espacial é uma dessas metáforas: assim como a sociedade alternativa, a biologia alternativa; o futuro também. O futuro, em ficção, é uma metáfora.
Uma metáfora do quê?
Se eu pudesse responder sem metáforas, não teria escrito todas estas palavras, este romance; e Genly Ai nunca terio sentado à minha escrivaninha e usado toda a tinta de fita da minha máquina de escrever para informar a mim, e a você, um tanto solenemente, que a verdade é uma questão de imaginação.
Ursula le Guin na Introdução de A mão esquerda da escuridão (trad. Susana L. de Alexandria, 2a ed. São Paulo: Aleph, 2014/1968).

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