Ensino Frankenstein

Fonte: Pixabay

Têm pipocado por aí muitas propostas de formas que a educação pós-pandemia (de fato, educação na pandemia, pois ela ainda não acabou) poderá ou deverá tomar – e elas me preocupam.

Vejo muitos casos de mais do mesmo, mas com menos… menos carteiras para números menores de estudantes nos mesmos espaços, organizados da mesma forma de sempre (carteiras enfileiradas direcionadas para algum tipo de quadro). Tenho visto também casos de mais do mesmo, mas com mais: de novo, a mesma organização de objetos no espaço da sala, mas separados por divisórias transparentes. Veja algumas imagens aqui (há coisas interessantes também acontecendo: veja aqui algumas fotos de uma experiência na Espanha que viralizou a partir de uma foto que realmente não deu ideia do que teria sido tentado)

Além disso, o velho rótulo de “ensino híbrido” vem sendo resgatado, reinventado, em alguns casos, com nomes novos, em outros, com propostas de modelos bastante estranhas. Em décadas anteriores, mas já após o surgimento da Web, o conceito de ensino híbrido desafiava a polarização entre ensino presencial e ensino on-line no que diz respeito ao tempo de contato em professor e alunos: esquemas de ensino híbrido seriam constituídos de momentos presenciais (síncronos) e momentos on-line (assíncronos). O planejamento envolvido aqui é bastante trabalhoso, sem contar o suporte aos alunos. De qualquer forma, não é nada que instituições de EaD já não viessem fazendo, ainda que em contextos e concretizações diferentes (inclusive anteriormente à internet).

Pois a ideia da hora me parece ser um tal “ensino híbrido” (há outros nomes para a mesma ideia) no qual o professor é confrontado com câmera(s) e telas como “plugins” na velha sala de aula, para que possa “dar sua aula” a estudantes presentes tanto no espaço da sala, quanto via internet. Mas que tipos de interações são possíveis em arranjos assim? Como geri-las? Que efeitos essa combinação de tipos diferentes de presença poderia ter, inclusive, na saúde mental do professor? Em muitos casos, essas experiências serão ou estão sendo gravadas. Por que? Para quê? Como estariam sendo tratadas as questões de direitos de imagem (de professores e alunos) e direitos autorais (se estão sendo tratadas…)?

Essas são apenas algumas questões que me ocorrem em uma aproximação inicial ao enorme desafio posto por esse arranjo, um desafio pedagógico e, em sua base, comunicacional. O arranjo me parece uma enorme gambiarra (termo que guardo com carinho dos meus tempos de estudante de engenharia, pois serve para tanta coisa relacionada à Educação e Tecnologia), algo criado a partir de proverbiais “puxadinhos” que partem de uma ideia que, em si, já precisa ser repensada, ou seja, um cenário que apenas o solucionismo tecnológico poderia enxergar como saída para qualquer coisa.

Mesmo com o avanço da vacinação, estamos diante de incógnitas fundamentais que deixam as instituições educacionais com problemas logísticos enormes, mas que também revelam problema que já existiam. Dentre eles, a questão das salas de aulas lotadas e o foco na hora-aula como parâmetro fundamental na construção do currículo. Acho que esses são os pontos para começar a discussão. Sem isso, temo que estaremos aceitando (que seja por omissão) a premissa de inevitabilidade da inovação por meio de tecnologias digitais e, assim, contribuindo para a criação de aberrações sob um modelo de Ensino Frankenstein.

Constrangimentos acadêmicos

Tentei tirar uns dias das minhas ditas “férias” para fazer um detox de telas (e vale dizer que fracassei miseravelmente, pois, ao contrário de quem acha que a pandemia acaba no momento em que tomamos a segunda dose de alguma vacina, ainda estou saindo de casa apenas para o inevitável, então as telas ainda reinam supremas), e, mesmo antes desse não-retorno, já vinha me deparando com esquisitices que estavam me fazendo pensar mais do que eu queria durante esse (pseudo) descanso.

Uma das bizarrices desses dias apareceu a partir de recomendações de leitura do Google Scholar, que sempre procuro ler, pois, com frequência, são sugestões de fato relacionadas aos meus interesses (o que, em si, já é bizarro). Não vou especificar nenhum dos trabalhos em questão, mesmo sabendo que, com isso, não deixarei nenhuma evidência ao leitor dos meus “achados”, mas prefiro pecar em termos acadêmicos a perder a delicadeza. Enfim, vou apenas descrever o que observei em dois desses textos, que coincidentemente, citavam um trecho de uma publicação minha.

O primeiro texto tirava um trecho de seu contexto original e o reposicionava de forma a sustentar um argumento absolutamente contrário ao que está sustentado no original, a partir de um uso da citação para se referir a algo que não era o assunto em discussão no original. Por sua vez, o segundo texto reproduzia por completo um parágrafo do primeiro, inclusive a citação distorcida do meu trabalho, mas sem citar o primeiro texto. Conversando com um amigo, a palavra “plágio” apareceu, mas como ele mesmo admitiu, isso é algo difícil de identificar e caracterizar até quando existe uma smoking gun, ou seja, uma cópia clara de um trecho de outro texto. Pessoalmente, acho a discussão sobre plágio reduzida à simples ideia da cópia bastante tediosa, ainda que seja bastante lucrativa (mencionei isso em outro post).

Ironicamente, já encontrei alguns exemplos desse tipo de “canibalismo acadêmico” com materiais que publiquei neste blog. Não fui buscá-los, mas chegaram a mim por coincidências variadas: links que me apareceram em feeds de alguma rede social, questionamentos de alunos, trocas de leituras com colegas, enfim, por vias pelas quais a produção acadêmica se dissemina. O mundo não é mais tão grande, de muitas formas, e essas coisas são muito constrangedoras.

Aproveito para deixar o link para um artigo meu que saiu recentemente (sobre educação na pandemia), escrito a partir de um convite muito gentil que partiu exatamente do reconhecimento das ideias circuladas neste blog, que, aliás, está compartilhado sob uma licença Creative Commons. Em outras palavras, tudo que está aqui pode ser citado e reusado – o retorno solicitado é apenas um mínimo de cortesia na forma de citação da fonte.

Fique calmo e candidate-se (mas não relaxe na preparação!)

Estão abertas entre hoje (21/06) e 05/08 as inscrições para o Mestrado e o Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, onde atuo.

Tenho participado de processos seletivos para a pós-graduação há anos, e encontro, com frequência, os mesmos tipos de lacunas e questões na documentação e na apresentação dos candidatos. Então, além de contribuir um pouco com a divulgação, pensei também em deixar aqui algumas dicas genéricas.

A questão fundamental a ser considerada é que processos seletivos são sempre fortemente competitivos (muito mais gente do que vagas), então, para que o candidato tenha as melhores chances, precisa estar bem informado e mostrar isso da melhor forma possível.

Pode parecer óbvio, mas, sinceramente, não é o que se vê sempre. Ocasionalmente, fica bem claro para nós, avaliadores, que a documentação foi feita na última hora, sem muito cuidado – como fica bem óbvio que a preparação para a prova também deixou muito a desejar. No caso de provas escritas (na Educação da PUC-Rio, apenas a seleção de mestrado prevê uma etapa dessa natureza), geralmente há uma bibliografia indicada, que precisa ser estudada. Porém, na hora da correção, sempre vemos exemplos de respostas que sugerem que o candidato nem olhou os textos… É uma pena: um gasto inútil (pois a maioria dos candidatos terá estudado, e provas são sempre eliminatórias) e um desgaste improdutivo (encarar uma prova sem ter estudado em meio a muitos outros que se prepararam adequadamente).

Isso tem sido mais raro, na minha experiência. Contudo, o que não é nada raro – e aí começam os comentários sobre as lacunas – é a falta de atenção a detalhes.

Em geral, um edital é um documento relativamente longo e detalhado, e é preciso estar atento ao que é pedido. Por exemplo, é preciso tomar cuidado com a formatação de documentos (pré-projeto, memorial, etc.), com a própria lista de documentos (é preciso entregar tudo que é pedido, obviamente), com datas, detalhes de contato para esclarecimento de dúvidas, ou seja, é preciso ler e atender às demandas do edital. Sem isso, candidaturas podem ser (e são, infelizmente) recusadas logo de início ou, até mesmo, em alguma etapa já adiantada do processo.

Assim como o estudo cuidadoso de textos indicados para a prova, se houver, e a preparação de documentação dentro das orientações do edital em consideração, é essencial que o candidato se familiarize com o Programa de Pós (PPG) para o qual está se candidatando.

Uma das perguntas mais comuns em entrevistas (em qualquer entrevista, na verdade, uma pergunta para a qual o candidato deve sempre se preparar) é a seguinte: “por que você escolheu este PPG?” Uma resposta bem fundamentada a essa pergunta é sempre esperada, e, para isso, o candidato precisa estar minimamente informado sobre o programa: suas linhas de pesquisa, que definem o escopo das pesquisas conduzidas no programa, os grupos de pesquisa, que delineiam áreas temáticas dentro dessas linhas, e, por fim, o trabalho dos docentes, que coordenam grupos, desenvolvem pesquisas e orientam projetos. As possibilidades de orientação nem sempre são explicitadas em editais (alguns editais definem o número de vagas oferecidas por cada docente do programa, mas não é o caso dos nossos), mas, minimamente, espera-se que qualquer candidato a uma vaga em um PPG tenha alguma noção acerca das pesquisas nele desenvolvidas.

Acho meio constrangedor entrevistar pessoas que não têm a menor ideia sobre o programa no qual pretendem ingressar, principalmente se for um candidato ao doutorado. Não é uma questão de o candidato já escolher o orientador (essa nem sempre é a prática), mas sim de mostrar que compreende, minimamente, que a pesquisa é um processo social, ou seja, não é algo que se faz sozinho, isolado do resto do mundo. Todos os PPG têm sites próprios, com listas de grupos e links para suas páginas ou sites de grupos, links para os respectivos currículos Lattes dos professores, enfim, há informações importantes na Web para o candidato acessar com um mínimo de mineração.

Resumindo as dicas:

1- Leia o edital com muita atenção;

2- Visite o site do programa no qual quer ingressar e se informe sobre as linhas de pesquisa, grupos de pesquisa e docentes, com atenção redobrada a projetos e publicações;

3- Visite o currículo Lattes dos docentes cujas linhas de pesquisa e grupo lhe pareçam interessantes e consistentes com o que você gostaria de estudar; em particular, se o edital ao qual você quer se candidatar explicita vagas por docentes, você precisa caprichar nessa familiarização com o escopo do trabalho e produção dos professores. Se não, identifique a linha e os docentes com os quais sua proposta mais se aproxime, e familiarize-se com as temáticas das pesquisas em curso, inclusive, lendo publicações do(s) grupo(s).

4- Organize sua documentação com antecedência, revise tudo que escrever e confira no edital que ela está completa e dentro do formato exigido.

Não é tão complicado, mas exige tempo e cuidado.

Por fim: para saber mais sobre o processo seletivo de mestrado e doutorado do Dept. de Educação da PUC-Rio, especificamente, clique na imagem abaixo.

Aproveito para explicar que a alocação de orientação em nosso PPGE é feita apenas no final do processo seletivo, pelo Colegiado de Pós, então questionamentos preliminares de possíveis candidatos não influenciam nem o processo, nem a alocação.

O mundo digital em perspectivas feministas (+ tradução de texto curto)

Acaba de sair na revista Freuensolidarität, publicação do coletivo feminista austríaco de mesmo nome, um texto curtinho meu: Digitalen Technologien in Brasilien: Metaphern, nach denen wir leben, auf die wir aber lieber, verzichten würden. Trata-se de um número especial dedicado à discussão, em perspectivas feministas, de questões relativas à digitalização em diferentes países, dentro da proposta geral da revista de levar perspectivas do Sul ao Norte global.

Fui convidada para escrever sobre Big Data e colonialismo de dados no Brasil, creio que, a partir de outra publicação sobre o assunto que saiu no ano passado. Foi um desafio muito interessante, pois me abriu os olhos para questões que não estava considerando em meus estudos a partir de metáforas. Com isso, me senti motivada a finalmente começar um engajamento com formas de pensar (e leituras) com as quais venho “flertando” há um tempo, mas vinha adiando por falta de tempo.

A revista circula, primordialmente, no impresso, mas combinei, com uma das editoras, que iria circular aqui versões em inglês (o original, pois, infelizmente, apenas consigo ler em alemão – e bem mal, hoje em dia) e português (tradução apressada, como sempre).

Transcrevo abaixo o texto pré-edição, e deixo a versão em português neste pdf.

Clique aqui para saber mais sobre o coletivo.

Digital technologies in Brazil: Metaphors we live by, but would prefer not to.

Leader: Ideas surrounding digital technologies in Brazil are often expressed in terms of metaphors that are imported and translated from the Anglophone world. Metaphors, however, are not mere figures of speech, but cognitve devices that create worlds and subjects to inhabit them. This article suggests that technology-related metaphors sustain Modernity’s rationale of progress through control, supporting the country´s (re)colonisation, now via digital means.

Main text

A perfect storm appears to be brewing in Brazil. Whilst an extreme right-wing government unashamedly rewrites history, daily feeding its mob of supporters with countless absurdities, control of national oil reserves and other exploits from the land is quietly given away to multilateral interest groups, with no concern for the environment, nor any real gain for the common citizen. Also traded away with a borderless industry is all the data created daily in internet-based transactions, from ordinary activities like grocery shopping to the exchanges of personal information on social networks and learning platforms that have become, undoubtedly, lifelines during the covid-19 pandemic. As the pandemic rages on in the country, fuelled by denialism, cynicism and other manners of violence, data is fast becoming the new oil, to use its (arguably) most common conception as a metaphor in circulation in the Anglophone world.

But what does it mean, to have a metaphor as a form of conceiving something?

Common-sense understandings of metaphor tend to be, to a large extent, dismissive, even cavalier: mere figures of speech, embellishments, at best, perhaps obfuscating devices, in some academic circles. To illustrate the reductionist character of these perspectives, let´s take an example that remains in use even as it is (or should be) appalling to women: dolls as a vocative.

Dolls have traditionally played a key role in child development across cultures. Highjacked by the capitalist order, however, they eventually came to function as aesthetic models. Despite recent attempts of the toy industry to represent diversity in the abstract sorts of prettiness they (re)present, dolls have come to personify ideals that, in the extreme, support terrible forms of self-mutilation. They are lifeless bodies that sit quietly in a corner until dragged into role playing to scripts created by others. They are animated, managed and manoeuvred by others. They speak with the voices of others. Doll-women have no minds of their own: they exist to articulate, channel, and serve the desires of others.

This example illustrates that metaphors are much more than figures of speech. Metaphors outline specific ways of being, existing and acting in the world. Whilst expressed in language, they possess a physical base and point to materiality: as ways of conceiving things, they outline possibilities and limits to what these things may be, how they are supposed to behave, what they are allowed to do and say. In this sense, metaphors condense specific worldviews, shedding light on certain aspects of existence whilst obscuring others and, thus, embodying ideology.

As women-dolls are creatures destined to a mode of being devoid of agency, data-as-the-new-oil is fated to be a very lucrative commodity, although, as usual, not really to those who effectively produce it.

In this vein, it is not surprising that this is not the most common metaphor of data to be found in Brazilian talk and writing. In my research on how digital educational technologies are being conceived in the country, three other more general metaphors have emerged: data as a natural resource; data as a tool; data as a subject. Talk and writing about data claims that raw data is captured, collected and extracted, prior to being treated and processed in operations such as grouping, cross-referencing and, interestingly, welding. Eventually, data is transferred, stored and exploited, deposited in databases or databanks. Data also helps, supports, facilitates, i.e., personifies a guide that measures, assesses, predicts, and encourages desirable behaviours.

Some claims associated with data and, more generally, digital technologies push us towards the realm of fantasy: Artificial Intelligence (AI), for example, is equated with a powerful precog, a soothsayer who can foretell the future. Data-driven AI becomes an entity with predictive abilities due to an assumed capacity to find meaning in large volumes of data that cannot be processed by human beings. In this way, data-driven technologies are framed not only as subjects but, more specifically, as better subjects, since data is supposedly objective (unbiased), encompassing (omniscient) and precise. Data is thought of as an immaterial being who knows us better than we do ourselves.

However, it is unproductive to talk about the digital world as immaterial, as some commentators insist on doing, considering that their effects in the world are anything but immaterial. In Brazil, the ongoing pandemic has unleashed a huge increase in the adoption, by all sectors and levels of education, for example, of services provided by the ‘Big 5’ (GAFAM – Google, Amazon, Facebook, Apple and Microsoft). Training and other types of support activities have already begun to grow into a profitable trade surrounding this uptake, but little is said in terms of what is effectively being done with all the data generated, how privacy and security may be guaranteed to teachers, students, and their families, and, crucially, how pedagogy is or may be affected by imported standards and their associated practices. Educationalists worry about the sorts of human beings who will emerge from this digital assembly line supported on (and, perhaps more importantly, supportive of) a cross-national infrastructure that escapes all jurisdictions.

To a large extent, technology-related metaphors in Brazil are translations and (mal)adaptations, primarily imports from the Anglophone world made via the industry that produces them. We are thus colonised by a rhetoric that is beset with self-fulfilling prophecies epitomising technological solutionism: the idea that technology will provide the solution to all human problems – although some humans are more equal than others in matters of distribution and access. Like most digital technologies, technologies that trade in data are also tediously marketed as tools, perhaps the most common, albeit unfortunate, manner of conceiving them and defending their assumed usefulness: this is yet another metaphor that conveniently obscures the various types of biases inscribed in these objects throughout their processes of design, manufacture and marketing.

In contemporary Brazil, all of this takes place within an environment of expanding fundamentalism that pays little attention to pre-existing inequalities – digital and otherwise. Hard-won victories on issues related to gender, sexuality and treatment of all manners of minorities are gradually unravelled by a destructive government that supports a local ‘Aunt Lydia’ as the Minister of Women, Families and Human Rights. In this dystopian scenario, despite the lesson taught by the pandemic on the key role of teachers and what they do, home-schooling is now the ‘apple in the eye’ of a powerful elite that gazes covetously at those naively searching for tools to sort out their differences with a battered public education system.

Big data and AI are, in fact, only the latest in a long succession of technological fads, their metaphors consistent with a much older underlying logic: the idea of progress through science and technology that supports the Faustian project of Modernity. In defending the power of science to model and predict, as well as the potential of technology to be harnessed and transformed into solutions to problems, this is a logic that entails a certain type of relationship with nature: nature as something to be tamed, mastered and, ultimately, exploited. This rationale permeates other manners of relations – between people, between classes, between nations – historically associated, through a common genealogy, with a logic of control. All of these metaphors thus compose a conceptual backdrop shared by imperialism, colonialism and, more generally, patriarchy, and can hardly escape supporting subjugation and servitude.

Political life in Brazil appears to be purposefully driving the country back to its original status as an exploitation colony, with data positioned as perhaps one of its most sought-after commodities in emerging digital geopolitics. We are two decades into this century, yet representation of Brazil´s diversity remains poor. To be sure, we have made some strides towards remedying, in particular, women’s representation. However, although we recognise the value of increasing rates of female students in STEM and business or politics, we are confronted with rising numbers of femicides whilst watching media promotion of anthropomorphic female robots, embodiments of a chauvinistic industry.

Identifying and reflecting upon the metaphors that construct our world may be a way forward and away from the logic of oppression that supports Modernity’s technological enterprise. Goethe’s Gretchen declined the invitation to play the supporting role of a doll in Faust’s (mis)adventure, but, in remaining true to what was dear to her, her refusal costed her life. As the Faustian drama continues to unfold, albeit now with a digital façade, we need new metaphors and optional paths for Gretchen and all of those in positions of subservience. Perhaps alternatives may emerge from localised reflection and action in the midst of a brewing storm.

Comment: ‘Aunt Lydia’ is a character is Margaret Atwood’s The Handmaid’s Tale, a piece of dystopian future that portrays a world where young and fertile women of popular classes have been reduced to breeders after a ‘revolution’ that established as norm some of the cruellest patriarchal practices.

Bibliography

Berman, Marshall (1982). All that is solid melts into air. The experience of modernity. New York; London: Penguin.

Ferreira, Giselle M.S. et al. (2020). Metaphors we’re colonised by? The case of data-driven educational technologies in Brazil. Learning, Media and Technology 45(1) pp. 46-60. Available at: https://doi.org/10.1080/17439884.2019.1666872.

Lakoff, George & Johnson, Mark. (1980) Metaphors we live by. Chicago: University of Chicago Press.

Terceirizando a aprendizagem?

Fonte: Pexels

Nesta semana que passou, fui apresentada a uma novidade que não é tão nova, afinal: as plataformas de geração de paráfrases. Um detalhe interessante é que foram alunos de graduação que me indicaram dois exemplos – segundo disseram, usam para ajudá-los a reescrever e compreender (talvez essa parte tenha surgido ali, no ato da confissão não solicitada?) trechos que não entendem em textos complicados.

Ainda não sei o que pensar sobre isso, mas curiouser and curiouser, entrei no Google Scholar para ter uma noção dos pontos de discussão no momento, e fiz uma busca por [“paraphrasing tools” AND learning]. Desmarcando a caixa com “include citations”, sobraram 446 resultados. Restringindo o ano de publicação para 2017-2021, sobraram 80 resultados.

Olhando por alto, saltaram-me aos olhos os trabalhos relativos ao “problema” do plágio, alguns focalizados no desenvolvimento de sistemas para apoiar a detecção de plágio a partir da identificação de paráfrases geradas automaticamente, o que me pareceu bem esquisito. Além disso, há também também a questão da venda de serviços especializados de escrita de trabalhos acadêmicos, automatizados ou não. Esta plataforma, por exemplo, promovida pela Google Ads, segue o modelo Freemium – serviço básico gratuito com a monetização de serviços extra (pretensamente, pois necessidades vão sendo criadas ao longo da interação com o artefato, por exemplo, jogos).

Tenho uma forte inclinação a achar que as discussões sobre plágio na educação que partem de perspectivas moralizadoras (“é errado e, assim, repreensível”) ou legalistas (“é ilegal”) afastam-se de aspectos que me parecem fundamentais: questões relativas à forma e ao papel da avaliação, questões relativas ao que se pode esperar de estudantes em diferentes momentos de sua formação, questões sobre o papel da imitação, mesmo, no processo, enfim, questões que têm a ver com aprendizagem – o processo, nossas concepções dele, bem como as dos estudantes, tudo isso concretizado em práticas.

Usei learning na busca porque queria ver se havia discussão em torno de algum desses assuntos. Precisaria fazer outras buscas (como digo aos meus alunos de Metodologia de Pesquisa: “usem bases acadêmicas melhores”…), então, por hora, permanece comigo a ideia de que o uso desses geradores seria mais uma forma de terceirizar (ao menos, aspectos de) esse processo. 

A pensar mais…

Lançamento de *Deseducando a Educação: mentes, materialidades e metáforas*

Uma das mesas a serem realizados durante o I Seminário Internacional Reconceitualizando a Educação, organizado pelo Departamento de Educação da PUC-Rio, marcará a apresentação do livro Deseducando a Educação: mentes, materialidades e metáforas. A mesa será composta pelos Profs. Ralph Bannell, Mylene Mizrahi e Giselle Ferreira (eu!), organizadores do volume, com mediação do Prof. Karl Erik Schollhammer, do Dept. de Letras da PUC-Rio.

A coletânea reúne textos em torno dos três eixos temáticos que estruturam o livro: mentes, materialidades e metáforas. A primeira parte, org. pelo Prof. Ralph, focaliza teorização recente sobre a cognição. A segunda parte, sob a responsabilidade da Profa. Mylene, traz uma gama de contribuições muito interessantes da Antropologia. Por fim, a minha parte congrega textos que exploram metáforas como eixos de discussão de questões da educação. O livro contou com a colaboração de autores nacionais e internacionais bastante respeitados em suas áreas de atuação.

Quer saber mais? Junte-se a nós no dia 15! A conversa será transmitida pelo canal do Departamento de Educação no YouTube, neste link.

O livro será disponibilizado como e-Book de acesso livre – divulgaremos os detalhes de acesso assim que possível.

Ah! Antes de clicar em “publicar”, deixo o convite também para, quem achar interessante e puder, que nos ajude a divulgar – o cartaz pode ser baixado aqui.

Roda de conversa: METÁFORAS

Para os interessados em participar na roda de conversa que irei mediar no I Seminário Internacional Recontextualizando a Educação: clique aqui para preencher o formulário de inscrição.

Contarei com a presença de meu precioso parceiro de pesquisas e escritas, o Prof. Márcio Lemgruber, e do Prof. Diogo Gurgel, do Dept. de Filosofia da UFF, estudioso das teorias da metáfora.

Pretendemos gravar a discussão e disponibilizá-la posteriormente no Canal do YouTube do Departmento de Educação da PUC-Rio. Avisarei aqui quando isto for feito, caso haja interessados que não possam assistir ao vivo.

O link será enviado para os e-mails cadastrados no dia anterior – aguardo você lá!

Se quiser nos ajudar a divulgar, baixe aqui o cartaz.

Seminário Internacional *Reconceitualizando a Educação* – programação!

Conforme anunciei anteriormente, o Departamento de Educação da PUC-Rio realizará em 15 e 16 de abril o I Seminário Internacional de seu projeto de internacionalização Formação Humana, Cultura e Aprendizagens, coordenado pela Profa. Rosália Duarte. O projeto, financiando pelo Programa Capes-Print, articula pesquisas de professores do PPGE/PUC-Rio desenvolvidas em interlocução com colegas de instituições estrangeiras.

Como sugere o título desta edição – Reconceitualizando a educação – o foco do Seminário é a busca por novos rumos para pensar a Educação como disciplina acadêmica e prática social. O evento contará com a participação de parceiros internacionais e nacionais em discussões sobre resultados de pesquisa e possíveis desdobramentos futuros dos diálogos que temos conduzido. Em particular, haverá o lançamento da coletânea Deseducando a Educação: mentes, materialidades e metáforas, organizada em uma parceria envolvendo os Profs. Ralph Ings Bannell, Mylene Mizrahi e Giselle Ferreira (a autora deste post).

As mesas serão transmitidas pelo canal do Dept. de Educação da PUC-Rio no YouTube.

As rodas serão conduzidas em sessões do Zoom organizadas pelos respectivos professores anfitriões das conversas. Para obter o link de acesso, entre em contato com o(s) anfitrião(ões) da(s) roda(s) de seu interesse (os detalhes para contato estão aqui).

A programação completa pode ser baixada em pdf neste link, mas copio abaixo o programa com links adicionais para informações sobre os participantes e material promocional que estamos utilizando para disseminar o evento nas redes.

Programação

Quinta-feira, 15 de abril de 2021</h4

9:30h – Cerimônia de abertura. Baixe aqui o cartaz.

10:00h – Mesa Redonda – Apresentação do livro-base do Projeto Deseducando a Educação: mentes, materialidades e metáforas. Professores Ralph Bannell, Mylene Mizrahi e Giselle Ferreira. Mediação do Prof. Karl Erik Schollhammer (Letras, PUC-Rio) Baixe aqui o cartaz.

14:00h – Diálogos Transversais – rodas de conversa dos grupos de pesquisa com parceiros internacionais e nacionais.

Recepção Cultural e públicos em ação. Cristina Carvalho (Gepemci PUC-Rio), João Teixeira Lopes (Universidade do Porto), Ana Dias Chiaruttini (Université Côte d’Azur). Baixe aqui o cartaz.

Materialidade e transformação. Mylene Mizrahi (EstetiPop PUC-Rio), Cristina Toren (University of Saint Andrews), Ana Maria Gomes (UFMG), Isabel Carvalho (UFMG), Profa. Chantal Medaets (UNICAMP). Baixe aqui o cartaz.

Metáforas. Giselle Ferreira (DEdTec PUC-Rio), Márcio Lemgruber (UFJF), Diogo de França Gurgel (UFF). Baixe aqui o cartaz.

Cinema & Educação Brasil e Portugal. Rosália Duarte (Grupem PUC-Rio), Mirna Juliana Fonseca, Raquel Pacheco (Universidade Nova de Lisboa), Maria Angélica dos Santos (Programa de Alfabetização Audiovisual). Baixe aqui o cartaz.

Educação inclusiva no Ensino Superior. Zena Eisenberg (Grudhe PUC-Rio), Sílvia Brilhante (PUC-Rio), Maria Helena Martins (Universidade do Algarve). Baixe aqui o cartaz.

16:00h – Exibição de entrevistas: Andy Clark (University of Sussex) – Ezequiel Di Paolo (Basque Foundation for Science) – Cristina Toren (University of Saint Andrews) – Christa Whitney (Yiddish Book Center).

Sexta-feira, 16/4/2021

10:00h – Mesa RedondaPaulo Freire Internacional – Maria Inês Marcondes (PUC-Rio),  Gustavo Fischman (Arizona State University) e Tristán MacCowan (Institute of Education, University College London). Baixe aqui o cartaz.

14:00h – Diálogos Transversais – rodas de conversa dos grupos de pesquisa com parceiros internacionais e nacionais

Estética e Educação. Mylene Mizrahi (PUC-Rio), Marjorie Murray (PUC-Chile), Veronica Garcia Lazo (PUC-Chile), Baixe aqui o cartaz.

A educação popular na América Latina nos anos 1960. Patrícia Coelho (PUC-Rio), Fernando Gouvêa (UFRRJ), Cíntia Oliveira (UNESA), Renato Pontes (PUC-Rio), Baixe aqui o cartaz.

16:00h – Encerramento

I Seminário Internacional *Reconceitualizando a Educação* na PUC-Rio

Em 15 e 16 de abril próximos, será realizado o I Seminário Internacional *Reconceitualizando a Educação*, organizado por participantes no projeto Formação Humana, Cultura e Aprendizagens, coordenado pela Profa. Rosália Duarte.

O projeto envolve vários outros dos meus colegas do Departamento de Educação da PUC-Rio na construção de uma rede internacional de parcerias de pesquisa, com financiamento do Programa Capes-Print. O coordenador internacional do projeto é o Prof. Gustavo Fischman, da Arizona State University.

Teremos diversas mesas e rodas de conversas sobre assuntos bastante interessantes, e a primeira delas será dedicada ao lançamento do livro Deseducando a Educação: mentes, materialidades e metáforas, que compõe a fundamentação teórica do projeto. Minha contribuição ao livro focaliza a parte relativas às metáforas.

O livro está saindo do forno, assim como a programação e o resto do material promocional do evento. Assim que estiver com tudo em mãos, postarei aqui.

As mesas serão transmitidas pelo Canal do Dept. de Educação da PUC-Rio no YouTube, e as rodas serão feitas pelo Zoom (com inscrições via formulários no Google Drive).

Em breve!

Mais um post sobre experiências na educação durante a pandemia…

Fonte: Pixabay

Publiquei anteriormente alguns posts sobre questões gerais pertinentes à educação durante a pandemia (reunidos aqui), e cheguei a mencionar que escreveria, futuramente, detalhes sobre como estava trabalhando na graduação. Pois tentarei fazer isso agora, partindo de rascunhos e anotações que fui fazendo ao longo de 2020.

Tanto no primeiro, quanto no segundo semestre de 2020, fui alocada a uma disciplina sobre tecnologias e educação. É uma matéria obrigatória do curso de Pedagogia e eletiva das outras Licenciaturas e do domínio adicional Tecnologias e Mídias Digitais da universidade, e, por isso, relativamente popular. Os grupos, porém, eram bastante diferentes: o de 2020.1 era composto, predominantemente, por alunos de 1o e 2o período da Pedagogia. Em 2020.2, a maioria era de alunos das outras Licenciaturas (Biologia, Letras, etc.), muitos já nos dois últimos períodos de seus respectivos cursos, ou seja, era uma turma de estudantes mais maduros, digamos. De qualquer forma, as turmas que tenho tido na disciplina tendem a ser fortemente heterogêneas de diversas formas, e preciso sempre considerar, também, como parte dos propósitos de qualquer ação, a necessidade de acomodar uma ampla gama de habilidades, possibilidades e limites.

No início de março, tive, com a turma daquele semestre, alguns encontros presenciais ao longo das duas semanas que se passaram até ser decretado o fechamento do campus da instituição, e já estava com quase todos os nomes e rostos em mente. Com a turma do semestre seguinte, acabei por conhecê-los apenas como nomes escritos sobre um retângulo preto, ou fotos de rostos sorridentes, pois muitos preferiam não abrir suas câmeras, ainda que participassem, ocasionalmente, por áudio. Ou seja, foram experiências totalmente diferentes, não apenas porque foram grupos de pessoas diferentes, com expectativas também bastante diferentes, mas, crucialmente, porque não foi possível o usual encontro de “acolhimento” presencial que as “boas práticas” de EaD tendem a defender.

A lógica que adotei para pensar inicialmente a adaptação da disciplina para a situação não-presencial baseou-se em dois eixos fundantes: (1) inclusão; (2) articulação “teoria-prática”. Por um lado, tomando como base uma espécie de máxima que orienta a determinação de requisitos técnicos para cursos em EaD (“a corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco”), pensei em adotar várias mídias alternativas para apoiar contatos pessoais, com preferência por mídias assíncronas, que são menos custosas em termos de consumo de dados (alguns pacotes de dados para celulares oferecem acesso ilimitado a alguns serviços). Por outro lado, objetivando promover uma forma de articulação “teoria-prática” baseada na apropriação de ideias acadêmicas em exercícios de leitura de mundo, propus uma série de atividades que combinaram trabalho conceitual (leituras e discussões de textos acadêmicos) com buscas e discussão de matérias on-line sobre assuntos do momento vivido (em duplas ou pares), complementadas com reflexões individuais.

Comecemos, porém, pelas questões mais instrumentais.

Para a turma do primeiro semestre, na correria que se sucedeu à implantação da quarentena no estado do Rio de Janeiro, acabei utilizando dois grupos no Facebook e um grupo no WhatsApp, além do espaço no Google Drive que já havia organizado na preparação para o semestre. A universidade dispõe de um sistema de administração acadêmica que permite envio de e-mails em bloco para turmas inteiras, que é bem útil para os professores (não temos que criar listas separadamente), mas nem sempre produtivo (pois sistemas de e-mail diferentes às vezes direcionam as mensagens recebidas por esse sistema para a caixa de spam). Utilizo esse sistema com parcimônia, mas, no início do semestre, não houve outro jeito.

Acho que levei duas semanas até conseguir que todos compreendessem como seria a nova dinâmica e acessassem todos os espaços, seguindo as seguintes etapas:

  1. Primeiro contato com os alunos por e-mail em bloco (primeira semana da quarentena) para verificar a situação de cada um no tocante a equipamento, acesso à internet e espaço para trabalho;
  2. Com base nas informações obtidas nesse levantamento, montei um grupo de WhatsApp reunindo toda a turma (tratava-se da única mídia da qual todos já eram usuários), para possibilitar um acolhimento inicial e a (re)organização das atividades; a primeira atividade foi realizada com apoio desse aplicativo;
  3. Na sequência, criei os dois grupos (secretos) no Facebook (a única aluna que não era usuária dessa plataforma gentilmente se prontificou a criar um perfil para acompanhar a turma): um grupo para trocas informais (“Café com Bolo”, aberto para postagens por todos), outro para o trabalho na disciplina (no qual apenas eu poderia postar, mas todos poderiam comentar), e todos os trabalhos e discussões foram conduzidos nessa plataforma (com apoio de e-mail, WhatsApp e ligações telefônicas, em alguns casos);
  4. Videoconferências por Zoom foram realizadas em momentos específicos do semestre (sessões de uma hora, com a turma dividida em grupos, pois eram muitos), com fins, basicamente, de cultivar relações e dar uma espécie de apoio “pastoral”. A utilização de e-mail foi minimizada (a pedido dos próprios alunos), e o WhatsApp permaneceu em uso (uso esporádico do grupo criado inicialmente, mas uso continuado para comunicação um-a-um). Foi mantida a pasta no Google Drive que havia montado antes do início do ano letivo, contendo o programa da disciplina e um repositório de todas as leituras (básicas e complementares) em arquivos PDF.

Para o segundo semestre, recebemos uma orientação institucional no sentido que procurássemos concentrar nossos usos de espaços on-line no AVA interno (Moodle), gerido e mantido pela unidade que coordena a oferta de EaD da universidade. A plataforma realmente oferece uma grande vantagem com relação à gestão da avaliação (em 2020.1, recebi trabalhos via múltiplos canais, e a trabalheira para organizá-los foi insana, pois havia entregas quinzenais individuais de uma turma de 36…). Além disso, o agendamento e acesso ao Zoom foram integrados no ambiente, o que é bem útil também. Então, para a turma do segundo semestre, o espaço ficou assim:

Preferi a configuração de blocos, que deixa a tela mais limpa e funciona bem no celular também, e usei ícones e indicações claras de temas e datas para criar um mapa/guia do curso. Ao clicar em um bloco, abre-se uma janela com detalhes; por exemplo:

Nada disso é novo (são pequenos detalhes de “design instrucional“), e o uso dos arquivos pdf é algo que muitos da área do e-learning dirão ser uma “má prática”. Aqui entram as especificidades do contexto e a necessidade de flexibilidade, tanto no acesso a orientações e textos, para que pudessem ser lidos sem que o aluno estivesse necessariamente on-line, quanto no tocante a prazos. O acesso à internet no Brasil é mesmo bem frágil, e tive que reagendar alguns encontros (com a turma de pós e com o grupo de orientandos) por total falta de acesso (até o 4G pelo celular estava restrito nessas ocasiões). Outra coisa é que os layouts “quebradinhos” de treinamentos on-line não são, na minha opinião, apropriados para toda e qualquer experiência educacional on-line. De qualquer forma, elementos on-line e o off-line, síncronos e assíncronos sempre precisam ser pensados de forma integrada, e precisamos estar sempre prontos para improvisar alternativas.

OK, esses são os ossos do ofício do trabalho on-line com infraestrutura flaky – mas e as questões pedagógicas?

Bem, aqui me considero bastante privilegiada com a disciplina: se mídias e tecnologias, antes do início da pandemia, estavam em pautas de discussão específicas e eram ainda tratadas por muita gente como um “adendo” à formação de professores, as coisas mudaram radicalmente com o fechamento das instituições de ensino (em todos os níveis). Nesse contexto, os assuntos dos quais usualmente trato na disciplina tornaram-se fundamentais de uma forma não imaginada antes.

Pensei, então, que o ideal seria adaptar, de forma bastante explícita, o material da disciplina ao momento que estávamos vivendo, aproveitando as vivências de aprendizagem remota dos próprios alunos, bem como elementos do contexto mais amplo no qual estávamos inseridos, como fonte de material a ser integrado no trabalho da disciplina.

A partir de uma estrutura de atividades com produtos a serem entregues semanal ou quinzenalmente para fins de avaliação continuada, consegui manter o direcionamento que havia determinado ao montar o programa original da disciplina, que combinava elementos de “aprendizagem entre pares”, “sala de aula invertida” e “aprendizagem por projeto”. Dessa forma, conduzi os alunos em reflexões sobre a experiência de aprender a distância como base para encorajá-los a repensarem suas concepções sobre aprender, ensinar, a aula, a sala de aula e os objetos que fazem parte do cenário da educação (digitais ou não). E como faço sempre, encorajei-os a manterem um Diário com anotações, questões, recortes de leituras (e de materiais midiáticos sobre os assuntos tratados), para a composição de um portfólio a partir do qual seria feita a avaliação.

Para ilustrar, compartilho aqui uma das atividades conduzidas, relacionada ao tema “letramento midiático”. O objetivo da atividade era proporcionar aos alunos uma oportunidade de explorarem os problemas envolvidos na divulgação de “notícias enganadoras” (que incluem as famigeradas fake news), bem como, em particular, refletirem sobre o processo de verificação de informações. As orientações por escrito foram, subsequentemente, exploradas em discussão de forma a explicitar o pensamento pedagógico a sustentar a atividade. Dessa forma, os alunos também foram convidados a refletir sobre questões pedagógicas, ou seja, convidados a pensarem como professores (em formação, que é como sempre os trato). Assim, a discussão pode avançar não apenas em relação ao “conteúdo” (o tema), mas também à “forma” (o modo como a atividade foi pensada), o que me parece essencial em um contexto de trabalho com futuros docentes (e aqui incluo o pessoal da Comunicação que expressa o desejo de atuar na comunicação pública da ciência).

Nesse sentido, a avaliação na disciplina sempre contém, minimamente, um componente reflexivo, e, no segundo semestre, cheguei a um formato que achei bastante produtivo (e que manterei para o semestre atual, com alguns ajustes para melhorar a apresentação). As orientações estão aqui. A proposta envolve um elemento de role play que demanda a mobilização de conhecimentos em um contexto profissional imaginário, destacando a noção de que é o pensamento pedagógico que precisa orientar a ação docente, não a disponibilidade de mídias. Acho isso bem mais interessante do que uma prova ou mera atividade de produção (instrumental) de mídias (como vinha fazendo no laboratório que temos disponível para essa disciplina no presencial).

Uma coisa que não consegui, no final do semestre, foi fazer com a turma a avaliação da disciplina. Faço isso todo semestre usando como base este formulário, mas, confesso: cheguei ao final dos semestres de 2020 quase que inteiramente “sem gás”. Esse tipo de avaliação é uma forma importante de ação docente, pois, além de me dar subsídios para refletir sobre o que faço, também constitui uma oportunidade para os professores em formação sob minha responsabilidade pensarem sobre avaliação, que é um assunto em geral negligenciado. Surpreendem-se, quase sempre, com a proposta e com meus comentários sobre avaliação ser algo integral à aprendizagem, “instantâneos” que dizem alguma coisa sobre um processo, que é algo que se desenrola no tempo, mas não dizem tudo.

Há muito que eu poderia falar sobre essas experiências remotas, mas vou destacar alguns pontos que considero essenciais:

  1. Como muita gente vem dizendo, não faz sentido simplesmente substituir horas-aula por horas no Zoom. Isso simplesmente deixa todo mundo exaurido. É preciso pensar em formas de manter o contato pessoal, claro, mas o contexto que estamos vivendo não é o que tínhamos antes, ou seja, as pessoas não estão em casa por vontade própria. E, em casa, as demandas também mudaram (aumentaram, para muita gente), inclusive, com o relaxamento do isolamento social, deu-se o retorno gradativo de muitos a seus respectivos locais de trabalho. Enfim, as circunstâncias dos alunos (e nossas!) são múltiplas. Aliás, câmeras fechadas refletem tanto as formas de se lidar com essa multiplicidade, quanto a questão perene da “presença sem presença”, mencionada no próximo item (no final de encontros no Zoom, sempre há remanescentes que parecem ter estado presentes dessa forma…).
  2. Também como reza a cartilha da EaD, a aprendizagem não-presencial demanda muito mais autonomia e organização do aprendiz. Não acho, entretanto, que essa questão seja relevante apenas à aprendizagem remota: a distância apenas torna crítico um problema já existente. No campus, a agenda semanal dos alunos tende a girar em torno da presença em sala de aula. As próprias expectativas dos alunos parecem girar em torno da ideia de que só se aprende em sala de aula – mesmo admitindo que, com frequência, o estar em sala é apenas “de corpo presente”, em uma “presença sem presença”, ou seja, o aluno está suficientemente ali para evitar uma falta na pauta, mas, durante aquele tempo, passa a habitar algum “lugar feliz” em sua mente, alheio ao que se passa ao seu redor. Fora do campus, sem sessões de Zoom a substituir a hora-aula, fica mais óbvia a necessidade de organização. Em particular, no contexto de formação de professores, acho essencial mostrar não apenas que a sala não é o único local de aprendizagem, mas, crucialmente, que eles precisam se apropriar do processo de forma mais ampla. Precisamos lhes dar oportunidades para ensaiarem essa apropriação.
  3. Por que não usei o Moodle no primeiro semestre? Sinceramente, porque não quis. Fui usuária do Moodle no passado, até cheguei a fazer uma instalação em um computador na época, e não gostava do excesso de parâmetros e controles. As coisas mudaram um pouco e realmente faz sentido, para alunos com todas as disciplinas em modo remoto, que haja um espaço único onde possam acessar tudo que precisam. Há, também, a questão da avaliação, que já mencionei acima. Mas ainda não entendo como podem defender o Moodle como “construtivista”, e tenho mil e uma objeções também relativas a questões de direitos autorais e direitos de imagem (tanto que, em geral, não gravo encontros no Zoom). Enfim, é uma solução de compromisso, no meu entender, um assunto para outra postagem.
  4. Em momento algum quis dizer que o que estou fazendo é modelo para outras pessoas! Pelo contrário: no final do primeiro semestre, especificamente, recebi algum feedback bem negativo de um aluno (poucos participam da avaliação institucional dos professores). Creio que alguns (ou muitos, não saberia estimar) esperavam aquilo que acham que é a EaD: aulas gravadas. Eu, particularmente, acho aulas gravadas quase sempre bastante tediosas (recentemente comecei a acelerar a velocidade de playback de certos vídeos – é uma experiência horrenda, e creio que pagaremos um preço por isso, com tantos jovens adotando essa estratégia…). Na Open University, aliás, aulas gravadas foram abandonadas muito cedo na história da instituição, que foi favorecendo gêneros midiáticos mais criativos e interessantes, como docudramas, dramas históricos, animações etc. Enfim, isso seria mais um assunto para outras postagens.

Por fim, a questão mais importante: para que mais um postagem sobre experiências na educação durante a pandemia? Parece haver muitos gurus e “especialistas” de prontidão (principalmente para vender benditos “treinamentos”), e as postagens se multiplicam com dicas, estratégias, defesas de rótulos específicos, enfim, já nos aproximamos de uma forma de infoxicação dessas coisas. Nomes novos para coisas velhas, nomes velhos para coisas novas, enfim, a busca por estabelecer territórios não cessa nunca… Nesse contexto, acho válido lembrarmos de que, talvez, o que precisemos, é de experimentação, criatividade e, crucialmente, mais reflexão. Sim, é preciso saber “onde clicar”, mas isso se pode descobrir simplesmente clicando, lembrando que, neste mundo digital, é possível desfazer quase tudo. O que não dá para desfazer com facilidade são as expectativas e pré-concepções, nossas e de nossos alunos. Para tanto, é preciso reflexão, e, nisso, espero ter adicionado meus dois centavos do dia.